São Paulo, domingo, 18 de julho de 2010

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ENTREVISTA JOSEP ACEBILLO

Rio está na moda, resta aproveitar

Arquiteto que planejou a mudança urbana gerada por Barcelona-92 diz que desafio olímpico carioca é maior

Pedro Carrilho/Folhapress
Josep Acebillo, no Copacabana Palace, durante visita ao Rio

ITALO NOGUEIRA
DO RIO

A Olimpíada não resolve sozinha os problemas urbanos sem que haja planejamento para os anos posteriores. Para que os altos gastos não sejam malvistos pela população, pequenas intervenções ajudam a envolver o público na mudança provocada pelos grandes projetos. O diagnóstico é de quem já passou, com sucesso, pela preparação dos Jogos. O arquiteto espanhol Josep Acebillo, 64, há 30 anos planejando o crescimento urbano de Barcelona -modelo de uso do evento para melhoria na cidade-, considera o desafio do Rio, sede da Olimpíada de 2016, maior do que o da cidade espanhola. "É uma cidade difícil de conhecer. Tem uma grande complexidade", diz Acebillo, que foi diretor de planejamento urbano do Holding Olímpico de Barcelona, responsável por planejamento e execução de obras na cidade. Ele defende uma "acupuntura urbana" para envolver a população na transformação da cidade. Por exemplo, foram construídas 150 pequenas praças antes de começarem as grandes obras para a Olimpíada. "Todos os cidadãos viam uma nova Barcelona perto de sua casa".

 

Folha - Como era Barcelona antes da Olimpíada de 92?
Josep Acebillo -
No franquismo, Barcelona não gozou de muitos privilégios do Estado Central. Era muito próspera antes da ditadura, e chegamos aos anos 80 no fundo do poço. Com a transferência da indústria para áreas de produção mais barata, tivemos que substituir a economia industrial para uma base de serviços.

Os Jogos Olímpicos chegaram na hora certa à cidade?
Fizemos, antes, obras de pequena escala muito rentáveis do ponto de vista político e social. Pode-se realizar uma grande transformação com pequenos projetos, uma acupuntura urbanística.
Entre 1981 e 1988, nós fizemos cerca de 150 pequenas praças. Todo cidadão via uma nova Barcelona perto de sua casa. Isso permitiu que os Jogos fossem uma segunda fase, de projetos de mais envergadura. Havia confiança de que as reformas se traduziriam em melhoras sociais. Muitas vezes, há dificuldade de demonstrar como projetos grandes serão úteis. Tendem a dizer: "Com esse dinheiro poderíamos fazer tantos hospitais, escolas".

Por que poucas cidades servem de exemplo, como Barcelona?
Fomos os primeiros que deixaram de pensar os Jogos como uma festa e inventamos a tese de que deveria transformar a cidade. O projeto não era olímpico, era completo. Sydney fez igual, e Pequim também, em outra dimensão. Atenas menos, e Atlanta não serviu muito.

O que acha do Rio de Janeiro?
É uma cidade difícil de conhecer. Há uma relação inconcebível com o mar. Em Barcelona, constantemente se sabe onde está o mar. Fui passear por Copacabana e vi a praia. Atravessei duas ruas [para dentro do bairro], a 50 m, 100 m da praia, e não se vê, não se sente o mar.

Por que não será fácil para o Rio usar a Olimpíada?
Quando lia sobre as inundações de abril [que mataram mais de 200 pessoas], pensei: "Será a Olimpíada capaz de evitar que aconteça no futuro?". Eu imagino a quantidade de áreas nesta situação [vulneráveis a deslizamentos], com a topografia que a cidade tem hoje. Por outro lado, é muito difícil que o Rio tenha de novo um compromisso de mudança com prazo fixo. Uma cidade com tantos problemas, por onde vão começar?

O Rio terá um desafio maior do que Barcelona?
Sim.

Quais dificuldades Barcelona teve na preparação dos Jogos Olímpicos de 1992?
A cada seis meses vinha a o COI [Comitê Olímpico Internacional] para fiscalizar as obras e diziam que estavam atrasadas. No final, [as obras] acabam. Tínhamos dois comissários: um para evitar atrasos e outro, eu, para que as obras não fossem malfeitas. A questão não é acabar, mas acabar com qualidade. Fizemos 50 km de galeria de serviços para colocar de forma ordenada a luz, eletricidade. Depois de 15 anos [dos Jogos Olímpicos], quando tivemos que fazer fibra ótica da cidade, foi muito fácil e rápido porque tínhamos uma galeria perfeita. Esse é um dos grande legados da Olimpíada em Barcelona.

O projeto do Rio divide a cidade em quatro áreas distantes. É uma boa solução?
Em Barcelona, dividimos também em quatro áreas. Todas obedeciam a uma lógica. Uma foi criada na década de 30 sem ter sido finalizada, e queríamos urbanizá-la. Outra porque tinha instalações esportivas isoladas [da cidade]. A terceira simplesmente porque era a área mais pobre. Na última, queríamos que a cidade chegasse ao mar, que era mais invisível do que no Rio. Colocamos a Vila Olímpica numa área obsoleta e urbanizamos cinco quilômetros do litoral. Cada área tinha um objetivo muito claro.

O prefeito Eduardo Paes pediu ao COI a transferência de algumas instalações para o porto, mas a entidade vetou parte dos pedidos.
É verdade que o COI não gosta [de mudanças], mas ninguém vai propor uma mudança para criar dificuldades. Deve prevalecer o projeto urbano.

O que fazer para que os Jogos continuem rendendo após a Olimpíada?
Colocamos muitos projetos [no BID olímpico] difíceis de executar, que deliberadamente sabíamos que não iriam acabar [antes da Olimpíada]. Todos começaram na preparação dos Jogos, nas áreas olímpicas. Temos que pensar no "day after".

É possível mudar uma cidade sem a Olimpíada?
Um projeto para a melhoria da cidade poderia ser feito sem os Jogos, mas levaria dez vezes mais de tempo. O Brasil tem como calcanhar de aquiles a qualidade das cidades. Se o país virar a quinta potência, as pessoas se conformarão em viver nas favelas que vivem hoje? O problema urbano é federal. Os Jogos podem ser de eficiência tremenda. Nos anos 90, Barcelona estava na moda. Agora vocês estão. Resta aproveitar.


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