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São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003

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Iatista não segue padrão, retarda troca de classe e busca hegemonia sem precedentes na laser

Maior que o barco e refém dele, Scheidt tenta o hepta

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O título brasileiro estava praticamente assegurado. Peter Tanscheidt velejava para manter sua hegemonia na classe laser no país quando um rapagão de 17 anos tomou-lhe a frente e venceu uma regata do campeonato de 1990.
"Naquele dia, vi que o cara era de uma raça incrível. Acabei como campeão do torneio, mas tinha certeza de que ele seria um grande atleta", conta Tanscheidt.
Pouco tempo depois, a profecia se cumpriu. Ainda adolescente, Robert Scheidt elegeu o pequeno barco da laser como sua prioridade e ganhou destaque no cenário internacional. Hoje, aos 30 anos, inicia em Cádiz, na Espanha, a campanha pelo sétimo título mundial na categoria.
Nenhum brasileiro conseguiu registrar uma longevidade tão pronunciada no topo de uma modalidade olímpica. A marca impressiona até quem já sentiu o gosto de subir no pódio em um evento do mesmo naipe.
"Depois de um tempo na laser, o atleta costuma buscar outros rumos, porque é uma classe que exige bastante da parte física. O Robert tem talento para ser bem-sucedido em outras provas de vela, mas mantém a mesma força da juventude. É inexplicável", diz Tanscheidt, ele mesmo campeão mundial na laser em 1991.
Inexplicável para os outros, mas não para o próprio. Scheidt conta que não existem segredos para justificar suas performances. "Sinto prazer em pegar o meu barquinho e treinar", afirma o atleta sobre a embarcação de 4 m.
Os amigos mais próximos, porém, vêem na influência da família e na possibilidade de dedicação em tempo integral ao esporte as causas que fizeram o iatista construir o currículo que hoje ostenta.
Na infância, o paulistano Scheidt praticou tênis no Banespa e no Pinheiros. Chegou à vela por intermédio do pai, Fritz, um habitué do Yacht Club de Santo Amaro. A agremiação, que até 1938 era batizada de Deutscher Segel-Club, congregava a colônia alemã que se interessava por iatismo.
O técnico Dudu Melchert ensinou os primeiros passos na optmist, embarcação de 2 m para iniciantes. Aos 11 anos, Scheidt obteve o título sul-americano. Largou o tênis e seguiu sua caminhada. Competiu também com barcos da snipe antes de ingressar de vez na laser. Em 1990, os resultados na categoria que defende até hoje começaram a aparecer.
Foi campeão brasileiro júnior e decidiu se preparar para o Mundial que ocorreria no ano seguinte, na Escócia. Acabou abocanhando o título e, a partir daí, surgiu como candidato a um lugar na seleção brasileira principal.
Nessa época, também, adquiriu a única superstição na qual ainda é apegado. Em todas as regatas que disputa, leva para o mar uma peça de xadrez, o cavalo. Diz que o objeto traz boa ventura.
"Entrar na seleção significava enfrentar o Peter, que era o melhor do mundo. Esse duelo foi fundamental para a carreira do Scheidt. Ele aprendeu muito", conta Claudio Biekarck, um quase técnico do iatista -acompanha-o em grandes eventos.

Rumo inalterado
Tanscheidt e Scheidt de fato foram grandes rivais até a eliminatória dos Jogos de Atlanta-1996. Do classificatório, apenas um sairia credenciado para o evento.
"Perdi a seletiva e encerrei a carreira. Sabíamos que quem ganhasse aquele torneio traria o ouro olímpico", recorda Tanscheidt.
Scheidt trouxe. E, com ele, pôs fim à dúvida que o preocupava naquela temporada. Formado em administração pelo Mackenzie, titubeava entre seguir a carreira no esporte ou exercer a profissão na qual acabara de se graduar.
O ouro olímpico, contudo, virou incentivo e chamariz de patrocinadores. O caminho natural, a partir dali, era encarar barcos maiores e embates em outras classes. Só que Scheidt não mudou.
Em Sydney-2000, em uma disputa ponto a ponto com o inglês Ben Ainslie, perdeu o bicampeonato olímpico. Após a última regata, chamou Biekarck para uma conversa. Confessou, enfim, que pensava em outra categoria.
"Ele mencionou que poderia disputar a star. Expliquei que ele ainda tinha uma ótima condição física para brilhar na laser", contou Biekarck. Scheidt ouviu os conselhos e seguiu competindo, mas nunca abandonou o pensamento de encarar outros desafios.
"Quero mostrar meu valor em outras classes. Depois de Atenas-2004, vou pensar melhor."
Uma mudança, porém, parece não estar apenas no plano das idéias do iatista. Há pelo menos dois anos, ele adquiriu um barco da star -possui dois metros a mais de casco que o da laser e comporta dois tripulantes. Com ele, disputou torneios no Brasil, mas não obteve bons resultados.
Seus críticos dizem que sua única virtude está no preparo físico e que por isso o sucesso em outras empreitadas dificilmente aparece.
Biekarck sabe de tudo, mas prefere não se intrometer. "Avisei que, na star, ele vai enfrentar o Torben Grael e o Marcelo Ferreira, atletas renomados e medalhistas olímpicos. Mas acho que não adianta muito. O Robert sempre surpreende a gente."


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