São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

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FUTEBOL

O tempo driblou o craque

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO

A década de 90 foi de Romário, sem dúvida. Tem a seu favor que Maradona já vivia o declínio no início dela; Ronaldo era jovem demais na metade dos 90 e enfrentou contusões e o trauma da França no final desses anos. Romário vivia o esplendor no Barcelona, na seleção e, depois, no Flamengo.
Foi irrepreensível na partida contra o Uruguai que classificou o Brasil para a Copa de 1994 -da qual foi a alegria em meio ao competente, mas aborrecedor time de Carlos Alberto Parreira.
Poderia ter seguido no time de 1998, que amarelou na final contra a França. Mesmo que só fizesse figuração -papel que Ronaldo afinal exerceu-, o fantasma de sua presença levaria a França a mudar a marcação. Quem sabe abriria espaços para o então combalido Ronaldo?
Aos 38 anos, Romário anda mal das pernas. E continua a tropeçar nas palavras. "Depois de 1970, posso me considerar o melhor. Não tenho dúvidas disso", afirmou há três semanas.
O jogador fez da soberba companheira tão vistosa quanto seu talento. Algo esperado para quem se acostumou a ouvir no Maracanã: "Deus é dez, Romário é 11".
Na semana passada, ele chutou a canela do técnico do Fluminense, Alexandre Gama, que opinou que Ronaldo tem mais condições de se tornar o maior jogador depois da era Pelé. "Ele entrou no ônibus agora, não está nem em pé e já quer sentar na janela", disse ele sobre o treinador do próprio time, com o humor malandro que sempre lhe foi característico.
Listas de craques são como mãe. Cada um tem a sua, sempre próxima da perfeição. Dizer que Zico foi o craque dos anos 80, Romário dos 90 e Ronaldo caminha para ser o desta década é uma expressão racional de uma delas, mas contestável. Romário pode ter sua própria lista e incluir-se nela sem falsa modéstia, porque toda modéstia é falsa, na frase de Millôr Fernandes.
O triste é perceber que o jogador parece perdido no labirinto do tempo. É um gênio dos campos perto de tornar-se um homem comum fora deles. Não soube construir além dos gramados -onde era um dos escolhidos- algo que lhe mantivesse na categoria dos especiais. Tostão, aqui neste espaço, é exemplo raro e alentador.
Romário é inteligente, justifica o chavão esportivo do craque que pensa segundos antes dos zagueiros. Mas não sabe jogar sem a bola no campeonato da existência, que, como toda competição por pontos corridos, premia a regularidade e quem se preparou para toda a jornada.
Romário já era um jogador genial aos 18 anos. O homem de quase 40 deve sentir saudades -nem que seja do fôlego e da velocidade- do rapazola. Algum "peixe" deveria dar a ele como presente um texto de F. Scott Fitzgerald, que talvez o ajudasse na busca da saída do labirinto do tempo: "Aos 18 anos, nossas certezas são como montanhas para as quais olhamos. Aos 40, são como cavernas onde nos escondemos".


Excepcionalmente hoje não é publicada a coluna de José Geraldo Couto

Guerra nada fria
Stalin queria que o esporte comprovasse a superioridade do comunismo. Livros exumaram histórias do período, como a excursão do Dínamo, cujo goleador era do Exército Vermelho, pela Inglaterra no pós-Segunda Guerra. Stalin, que já revirou tantas vezes no túmulo desde a queda do Muro, deve estar de boca aberta por Maria Sharapova, a russa de 17 anos, talentosa e bela, com contratos de US$ 10 milhões. Ela, Svetlana Kuznetsova e Anastasia Myskina podem bater as irmãs Williams, americanas, na guerra nada fria do tênis, na qual a conquista de corações e mentes não tem precedência sobre os dólares. Stalin é um tipo de Anna Kournikova da história: já teve defensores, mas só tem acumulado derrotas.

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