São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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FUTEBOL

Obra patrocinada pelo governo revela, às vésperas da Copa, que a federação trabalhou para consolidar o 3º Reich

Seleção alemã abraçou regime nazista, afirma livro

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O futebol alemão apoiou com entusiasmo a ascensão nazista e emprestou o prestígio internacional de seus jogadores e dirigentes para a consolidação do regime.
Mais: judeus foram banidos dos gramados e executados sob os auspícios da federação local.
Proposições que foram aventadas no passado ganharam respaldo de um documento histórico, patrocinado pelas duas partes envolvidas -o governo e a entidade que chefia o futebol do país.
O mea-culpa chega em forma de livro e ganha destaque no momento em que a Alemanha dá os passos finais para receber a Copa, marcada para junho. "Futebol sob a Suástica", nome da obra, esquadrinha como nasceu a simbiose entre o Terceiro Reich e o esporte mais popular do mundo.
"Entre 1933 e 1945, a federação acatou todas as ordens recebidas do regime e ocupou função de destaque em sua propagação. É importante ressaltarmos isso antes do Mundial de 2006, porque as autoridades certamente serão questionadas sobre esse tema no ano que vem", afirma à Folha Nils Havemann, historiador que assina as 473 páginas do calhamaço.
Sua explicação de como o namoro entre o nazismo e a federação ganhou fôlego demonstra os interesses que já estavam envolvidos com o futebol. Segundo o pesquisador, não foi só a afeição ideológica que levou os cartolas ao partido de Adolf Hitler. A questão mais importante, na verdade, derivava da economia.
"A Grande Depressão de 1929 atingiu em cheio a DFB [sigla da entidade]. Em 1933, ela estava falida. Os nazistas surgiram como esperança de ressurreição. Não por acaso, o futebol colaborou tanto para sua consolidação."
A bonança apareceu já em 1934. Clubes como o Reichsbank, próximos da federação e dos nazistas, encheram os cofres após anos de austeridade financeira.
Algumas personalidades, como o treinador Sepp Herberger, também conseguiram impulsionar suas carreiras ao não questionar os valores pregados por Hitler.
Após o fracasso da seleção alemã na busca por medalhas na Olimpíada de 1936, realizada em Berlim, os cartolas elegeram Herberger para substituir Otto Nerz no controle da equipe. O técnico sempre negou envolvimento com o regime, mas é questionado.
"Ele tinha uma vontade imensa de manter seu posto no time nacional e fez o que foi preciso para atender todos os desejos dos nazistas. Sepp aceitou até gravar propagandas e se filiar ao partido", explica Havemann.
Após o término da Segunda Guerra, Herberger voltou a treinar os jogadores e conduziu a Alemanha ao título da Copa em 1954. Deixou a seleção com 162 duelos no currículo, marca jamais igualada por outro técnico.
Sua trajetória de sucesso contrasta com atrocidades cometidas no mesmo período. A obra registra vários casos de atletas e clubes banidos do esporte no período, mas se concentra especialmente na campanha anti-semita encampada pelas autoridades da bola.
"A federação tolerou alguns clubes judeus até 1936, porque tinha interesse nos Jogos Olímpicos. Depois, começou a bani-los. Não posso precisar, mas ao menos mil atletas judeus foram expulsos do futebol. Muitos acabaram mortos mais tarde em campos de concentração", narra.
Um, em especial, tem biografia emblemática. Julius Hirsch defendeu a Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial. Ele foi o primeiro judeu a vestir o uniforme da seleção. Só que os serviços prestados não o livraram da perseguição. Foi mandado ao campo de concentração de Auschwitz em 1943. Acabou executado.


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