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Corredora quer levar Palestina ao Pan
Muçulmana empunha bandeira da região em provas de rua, ganha apoio de embaixada e sonha com vaga no Rio-2007
Filha de um guerrilheiro comunista, baiana adotou islamismo após casamento e agora recebe incentivos de muçulmanos no Brasil
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
A Palestina é uma terra distante e desconhecida para a
baiana Maria Lima de Oliveira.
É, também, a responsável pelo desenvolvimento de sua carreira, a marca que a diferencia
no atletismo e seu principal incentivo para chegar ao Pan-Americano do Rio, em 2007.
O cenário aparentemente
desconexo compõe uma biografia curiosa e revela um tipo
de apoio esportivo diferente de
tudo o que existe no Brasil.
Tudo porque a atleta em
questão, destaque em 2006,
não é patrocinada por uma empresa, por um mecenas ou por
prefeituras. Maria tem incentivo de uma embaixada, a representação diplomática de um
território que ela nunca visitou.
Tal história começa em 1973,
quando sua mãe fugiu de Angola em um navio. Estava grávida
e havia perdido o marido.
A embarcação aportou em
Pernambuco, onde Maria nasceu. Pouco tempo depois, a mãe
seguiu para Salvador, cidade na
qual registrou a filha.
A capital baiana testemunhou seus primeiros passos e
conquistas no atletismo, além
do aperfeiçoamento em provas
que exigem resistência física
-entre 5 km e 42 km.
Em 1993, a religião passou a
fazer parte de sua vida. Maria se
casou com Abdul Al Aziz, moçambicano radicado no Brasil .
Escolheu, posteriormente, seguir o islamismo. A partir de
então, transformou sua trajetória nas pistas. Por incentivo do
marido, formado em história e
ativista político, passou a correr empunhando uma bandeira
vermelha, preta, branca e verde. A bandeira da Palestina.
Seus resultados chamaram
atenção da embaixada, que decidiu tornar a esportista uma
representante oficial.
"Eu recebi um documento,
assinado pela embaixadora, me
incentivando a continuar exibindo a bandeira e dando visibilidade para a luta dos palestinos. Eu não conheço o território, mas entendo a batalha por
terras com Israel e quero demonstrar o meu apoio", diz.
O pedaço de papel, relata,
abriu portas para conseguir
apoio da comunidade muçulmana no Brasil. "Meus irmãos
do Islã passaram a conhecer
minha carreira e passaram a
me apoiar, até com auxílio financeiro. As viagens, os hotéis,
tudo é caro. Eu não tenho um
grande financiador."
Procurada pela Folha, a embaixada confirmou o inusitado
incentivo e informou que, em
2007, vai batalhar até patrocínios para corredora.
Maria explica que o desejo de
dar visibilidade aos palestinos
retoma uma tradição de sua família na defesa do "ideal das
minorias". Lembra que seu pai
integrava o Movimento Popular de Libertação de Angola,
grupo de inspiração comunista
e apoiado pela então URSS que
se transformou em um partido
político após a independência
do país africano. Ele morreu
durante um combate.
A atleta usa o hijab, véu tradicional das muçulmanas, mas
conseguiu autorização especial
de um xeque para correr de
shorts -alguns países islâmicos condenam mulheres que
exibem o corpo.
"São fatos importantes, que
me ajudaram a conseguir bons
resultados em 2006", conta.
Ela se refere ao lugar que obteve na seleção brasileira que
competiu no Sul-Americano de
cross-country, em fevereiro, e
aos triunfos em duas provas de
rua em São Paulo. Mesmo assim, sabe que o caminho para
chegar ao Pan é espinhoso.
As provas de 5 km e 10 km,
que integram o programa dos
Jogos, são disputadas em pistas. E ela até hoje não pôde se
especializar na modalidade.
"As corridas de rua são mais
vantajosas em termos de premiação, por isso vou priorizá-las. O Pan do Rio é o melhor caminho para dar visibilidade à
minha carreira e à Palestina,
mas será difícil chegar lá."
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