São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

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Corredora quer levar Palestina ao Pan

Muçulmana empunha bandeira da região em provas de rua, ganha apoio de embaixada e sonha com vaga no Rio-2007

Filha de um guerrilheiro comunista, baiana adotou islamismo após casamento e agora recebe incentivos de muçulmanos no Brasil


GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Palestina é uma terra distante e desconhecida para a baiana Maria Lima de Oliveira.
É, também, a responsável pelo desenvolvimento de sua carreira, a marca que a diferencia no atletismo e seu principal incentivo para chegar ao Pan-Americano do Rio, em 2007.
O cenário aparentemente desconexo compõe uma biografia curiosa e revela um tipo de apoio esportivo diferente de tudo o que existe no Brasil.
Tudo porque a atleta em questão, destaque em 2006, não é patrocinada por uma empresa, por um mecenas ou por prefeituras. Maria tem incentivo de uma embaixada, a representação diplomática de um território que ela nunca visitou.
Tal história começa em 1973, quando sua mãe fugiu de Angola em um navio. Estava grávida e havia perdido o marido.
A embarcação aportou em Pernambuco, onde Maria nasceu. Pouco tempo depois, a mãe seguiu para Salvador, cidade na qual registrou a filha.
A capital baiana testemunhou seus primeiros passos e conquistas no atletismo, além do aperfeiçoamento em provas que exigem resistência física -entre 5 km e 42 km.
Em 1993, a religião passou a fazer parte de sua vida. Maria se casou com Abdul Al Aziz, moçambicano radicado no Brasil . Escolheu, posteriormente, seguir o islamismo. A partir de então, transformou sua trajetória nas pistas. Por incentivo do marido, formado em história e ativista político, passou a correr empunhando uma bandeira vermelha, preta, branca e verde. A bandeira da Palestina.
Seus resultados chamaram atenção da embaixada, que decidiu tornar a esportista uma representante oficial.
"Eu recebi um documento, assinado pela embaixadora, me incentivando a continuar exibindo a bandeira e dando visibilidade para a luta dos palestinos. Eu não conheço o território, mas entendo a batalha por terras com Israel e quero demonstrar o meu apoio", diz.
O pedaço de papel, relata, abriu portas para conseguir apoio da comunidade muçulmana no Brasil. "Meus irmãos do Islã passaram a conhecer minha carreira e passaram a me apoiar, até com auxílio financeiro. As viagens, os hotéis, tudo é caro. Eu não tenho um grande financiador."
Procurada pela Folha, a embaixada confirmou o inusitado incentivo e informou que, em 2007, vai batalhar até patrocínios para corredora.
Maria explica que o desejo de dar visibilidade aos palestinos retoma uma tradição de sua família na defesa do "ideal das minorias". Lembra que seu pai integrava o Movimento Popular de Libertação de Angola, grupo de inspiração comunista e apoiado pela então URSS que se transformou em um partido político após a independência do país africano. Ele morreu durante um combate.
A atleta usa o hijab, véu tradicional das muçulmanas, mas conseguiu autorização especial de um xeque para correr de shorts -alguns países islâmicos condenam mulheres que exibem o corpo.
"São fatos importantes, que me ajudaram a conseguir bons resultados em 2006", conta.
Ela se refere ao lugar que obteve na seleção brasileira que competiu no Sul-Americano de cross-country, em fevereiro, e aos triunfos em duas provas de rua em São Paulo. Mesmo assim, sabe que o caminho para chegar ao Pan é espinhoso.
As provas de 5 km e 10 km, que integram o programa dos Jogos, são disputadas em pistas. E ela até hoje não pôde se especializar na modalidade.
"As corridas de rua são mais vantajosas em termos de premiação, por isso vou priorizá-las. O Pan do Rio é o melhor caminho para dar visibilidade à minha carreira e à Palestina, mas será difícil chegar lá."


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