São Paulo, sábado, 19 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ GERALDO COUTO

A marvada pinga


De Garrincha a Adriano, o álcool teve seu potencial destrutivo agravado pelo moralismo vigente


H Á 25 ANOS , completados amanhã, morria Manoel Francisco dos Santos, mais conhecido como Garrincha, de cirrose hepática, aos 49 anos.
O alcoolismo, que abreviou a glória e a vida do craque das pernas tortas, é ainda hoje um dos fantasmas que rondam a profissão de jogador de futebol. Há poucas semanas, na página 2 da Folha, Ruy Castro escreveu com todas as letras aquilo que o noticiário esportivo vinha tratando até então com indiretas, entrelinhas e eufemismos: o problema que ocasionou o rápido declínio de Adriano, o "Imperador", foi o alcoolismo. É disso que ele está tentando se recuperar no Brasil, defendendo o São Paulo -ao que parece, com grandes chances de êxito.
Outro caso recente, que assume tintas ainda mais dramáticas, é o do argentino Ariel Ortega, que retornou ao River Plate depois de uma carreira de altos e baixos na Espanha, na Itália e na Turquia. Em ótima entrevista a Antonio Vicente Serpa, da revista "Trivela", o "Burrito" Ortega, que chegou a ser apontado como possível sucessor de Maradona, fala das dificuldades que tem enfrentado para manter o vício sob controle.
Para quem não sabe, no ano passado o jogador reconheceu publicamente seu problema, depois de ter sido mandado de volta para casa pelo treinador Passarella, ao chegar "borracho" para um treino do River Plate.
Àquela altura, Ortega já batera o carro várias vezes, protagonizara cenas de violência doméstica e até tentara se jogar da janela de um quarto de hotel em Mar del Plata. Foi seguro no último momento por um companheiro de quarto.
No Brasil, houve alguns casos tristemente célebres, como os de Jorge Mendonça e Josimar, e inúmeros outros que foram abafados ou esquecidos. Há uma barreira de moralismo que impede o assunto de ser tratado objetivamente.
Pesa sobre o jogador que tem propensão ao álcool um estigma moral, como se ele fosse um criminoso e não um dependente a ser tratado clínica e psicologicamente. É sempre bom enfatizar que o álcool, em geral, apenas agrava um desequilíbrio emocional ou psíquico que já havia no indivíduo. Quem vai à garrafa em busca de refúgio ou consolo já está, de certo modo, doente. Instalada a dependência, fica difícil sair dela. Como diz Ortega à "Trivela", "sempre se encontra um bom motivo para cair: se você está eufórico, para festejar; se está deprimido, para esquecer".
Quando critiquei aqui a carolice hipócrita dos que pregam uma abstinência radical -de álcool e de sexo-, alguns leitores me entenderam mal, julgando que eu estava fazendo a "apologia do vício". Nada mais falso. Apenas acredito que a intolerância e o desregramento são duas faces da mesma moeda, alimentando-se mutuamente.
Só quando os futebolistas forem tratados como adultos, sujeitos a todas as carências e fraquezas que acometem nossa limitada espécie, esse problema poderá ser enfrentado de modo produtivo. Errar é humano, mas acertar também.

jgcouto@uol.com.br


Texto Anterior: Flamengo pode igualar conquistas de arqui-rival
Próximo Texto: Hamilton renova por 5 anos com a McLaren
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.