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OLIMPÍADA
Oswaldo Domingues, 89, que correu os 100 m em Berlim-36, é reconhecido pelo COB depois de sumir de registros
Após 70 anos, atleta recupera 10 segundos
MÁRVIO DOS ANJOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Brigas, desorganização e improvisos de cartolas legaram a Oswaldo Domingues, 89, pouco mais de
dez segundos de carreira olímpica
-que se alongaram por 70 anos
de esquecimento público por parte do Comitê Olímpico Brasileiro.
O velocista de Berlim-1936 descobriu no ano passado que sua
passagem pelo estádio Olímpico
-palco da final da Copa-2006-
não constava dos anais do COB
quando a entidade lançou o livro
"Sonho e Conquista", que lista todos os brasileiros nas Olimpíadas.
"Quando soube do livro, disse
ao meu amigo [Carlos] Reinaldo
Souto [presidente da Federação
de Vôlei do Rio] que queria ter
uma cópia. Recebi e notei que não
estava lá", contou à Folha em seu
apartamento em Ipanema, ao lado da mulher, Sônia, seu único casamento. O casal não tem filhos.
Aí, é preciso voltar ao tempo em
que Oswaldo tinha 19 anos e corria os 100 m e os 200 m. Órfão de
pai aos dois anos, era quarto de
seis irmãos. Dois deles, Moacyr e
Gilberto, eram seu apoio, enquanto sua mãe era descrente da
carreira de atleta. "Quando ela
soube que eu ia a Berlim, disse: "E
ainda vão pagar sua passagem?!'"
Em 1936, o futebol se profissionalizou, e seus clubes se filiaram à
CBD (Confederação Brasileira de
Desportos, depois CBF); os amadores ficaram com o COB.
Atleta do Vasco, Oswaldo acabou formando a delegação de
atletismo da CBD, que viajou de
navio e trem com escalas em Lisboa, Cherbourg e Paris. Mas, na
chegada a Berlim, o racha entre as
entidades deixou a Vila Olímpica
mais distante para os da CBD.
"Como a equipe do COB tinha
sido recebida oficialmente antes,
os organizadores não entenderam por que teriam que receber
outra delegação brasileira", afirma Oswaldo. "Acabamos impedidos de entrar e ficamos hospedados em casas de famílias alemãs
no bairro de Schmorgendorf."
Com uma memória lúcida e
cheia de detalhes, conta que, da
chegada ao início dos Jogos, cerca
de duas semanas se passaram sem
que os atletas da CBD tivessem
acesso às dependências olímpicas
-ou seja, quase nenhum treino.
"Viramos turistas. Conseguimos fazer um único treino num
clube de bairro, numa pista precária. Mas, no dia da abertura dos
Jogos, a situação não tinha sido
contornada, e nós acabamos não
participando do desfile."
"Acorda e põe teu uniforme"
De "folga", os atletas da CBD
não viram a opulenta festa de
abertura promovida pelo governo
de Adolf Hitler, cuja propaganda
nazista usava os Jogos como um
marco da reconstrução da Alemanha, derrotada na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Em vez disso, certos de que estavam fora da Olimpíada, os jovens
passaram a noite em uma cervejaria alemã e saíram de lá por volta
das 3h da manhã. Às 6h, Oswaldo
foi acordado pelo técnico, o húngaro Eugênio Rappaport: "Acorda e põe teu uniforme. Temos que
fazer seu passaporte olímpico,
porque você vai correr a eliminatória nesta manhã".
Da cama à raia da nona eliminatória, foram quatro horas. Seu nome não estava no programa. "Me
anunciaram como substituto de
um atleta de um país, não lembro
qual, nos alto-falantes do estádio
Olímpico, que tinha 100 mil pessoas todos os dias."
Outro vexame ainda estava reservado. "Me apresentei com o
uniforme azul da CBD, e o árbitro
me disse que eu estava errado. Aí
o [Antônio] Lyra, um arremessador de peso muito forte, estava
passando, e eu pedi a camisa dele
emprestada. Imagina como ficou
folgada em mim", diz. Por fim,
terminou em quinto, saindo na
primeira eliminatória.
"Fiquei muito frustrado", conta
Oswaldo. "A gente treinou, enfrentou dias de viagem para chegar lá e não ter a mínima condição. Depois, a CBD determinou
que o pessoal do atletismo não ia
mais disputar, já que não teríamos resultados expressivos."
A decisão da CBD o tirou de sua
outra especialidade, os 200 m. A
ele, restou o papel de espectador.
A frustração fez o jovem atleta
se dedicar ainda mais aos estudos
para a Escola Militar. Em abril de
1937, tornou-se cadete e se despediu da vida de atleta ao recusar
convocação para um Pan-Americano de atletismo em Dallas. "Se
fosse, perderia o ano na Escola
Militar, depois de ter disputado 90
vagas contra 2.000 candidatos. Tive convicção de que devia parar."
Hoje, Oswaldo é general-de-brigada reformado e tem no currículo a Secretaria da Segurança do
Estado do Rio em 1975, época da
fusão com a Guanabara.
Reconhecimento do COB
Sua atuação foi reconhecida pelo COB quando escreveu em julho
de 2005 ao presidente da entidade, Carlos Arthur Nuzman, detalhando eventos com fotos e xerox
do passaporte olímpico, que está
em excelente estado.
O COB lhe pediu desculpas em
setembro de 2005, garantindo-lhe
a correção. Oswaldo, porém, terá
que esperar dois anos, pois a segunda edição de "Sonho e Conquista" só virá após Pequim-2008.
Ele não tem pressa.
"Na minha idade, eu sou mais
um harmonizador; não quero brigas nem discussões. Mas me causava uma situação embaraçosa, já
que muitos me ouviram dizer que
eu tinha participado da Olimpíada. E, no livro, eu não estava lá."
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