São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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FUTEBOL

A história é burra

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

O nosso olhar para a beleza e a importância de uma jogada, de uma partida, depende muito de quem executa o lance, dos dois times, do instante, da época e do tipo de campeonato. Enxergamos muito mais com a alma do que com o olho.
Já imaginou a repercussão se o Rei Pelé tivesse marcado o gol do meio-de-campo na Copa de 70, gol que o Marcelo Pelé, jogador do Democrata de Sete Lagoas, fez recentemente pelo Campeonato Mineiro?
O mesmo acontece em todas as atividades. Se um brilhante poeta, desses que recitam versos em bares noturnos, escrevesse: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena", diriam que são palavras simples e singelas. Como elas foram escritas pelo genial Fernando Pessoa, tornaram-se sábias.
Depois que um jogador se torna um grande craque, mesmo no conceito do maior dos marretinhas, tudo o que ele faz de bom passa a ser endeusado. Mas, quando lembramos ou assistimos a um teipe do início de sua carreira e ou de sua infância, percebemos que ele já fazia as mesmas coisas espetaculares.
Já pensou se Ronaldinho Gaúcho fizer o gol do título na Copa do Mundo, no último minuto, numa jogada parecida com a que fez no gol contra o Chelsea pela Copa dos Campeões?
O mundo vai ficar boquiaberto. Serão três dias de filas para beijar os pés da estátua do Ronaldinho.
José Trajano, que é um ótimo observador e crítico, afirmou que, se Ronaldinho Gaúcho der no Mundial da Alemanha o show que dá no Barcelona, será comparado ao Pelé. Trajano está ainda mais encantado do que eu com o jogador.
Prometo falar disso pela última vez. Quando digo que Ronaldinho Gaúcho já está no nível do Maradona e do Garrincha e só abaixo do Pelé, mesmo se ele não for o maior destaque do Mundial, é apenas a minha visão. Não sou obrigado a ter a mesma opinião da história, que provavelmente será outra.
O racional René Descartes, que pensava muito e fazia pouco, disse: "Penso, logo existo". Acrescento: "E também sonho".
Parafraseando Nelson Rodrigues, que afirmava que o videoteipe era burro porque contrariava o que ele achava, posso também dizer, em um instante de prepotência, que a historia será burra se não der a Ronaldinho Gaúcho, por causa de sete partidas, a grandeza que o seu futebol merece.

Zagueiro de sobra
Desde o início do futebol, quando os times jogavam com dois zagueiros, três no meio-campo (médios) e cinco atacantes, os técnicos, mais por medo do que por prudência, já escalavam um zagueiro na sobra. Um se adiantava, e o outro, o beque (back) de espera, ficava atrás.
Na famosa retranca ou ferrolho suíço, um zagueiro ficava na sobra de outros quatro defensores. Qualquer dia volta essa moda. A Itália adotou o mesmo esquema na Copa de 70 contra o Brasil. Para evitar que o líbero saísse na cobertura, joguei ao lado dele.
O esquema atual com três zagueiros, para ter um na sobra, somente funciona bem se o time jogar no ataque, marcando mais na frente, como fazem São Paulo e Goiás.
Se os defensores marcarem muito atrás, próximos da área, não há espaço para ter um zagueiro na cobertura, e os três ficam em linha. O terceiro zagueiro costuma não ter função, e o time perde um armador ou atacante. Na prática, joga com dez.
Alberto Helena Júnior, com quem pretendo reencontrar na Copa para continuar o papo do último Mundial, já questionou os lugares-comuns de que todo time tem de ter em todos os momentos um defensor na sobra e que o atacante, no confronto direto contra o defensor, leva sempre vantagem porque é mais veloz e mais hábil. Nem sempre.
Essas são boas desculpas para muitos medíocres técnicos e zagueiros.

Marcação e gols
A principal razão da maior média de gols do Estadual do Rio em relação ao Campeonato Paulista é a péssima marcação dos times do Rio.
Será por causa da lentidão dos jogadores, da preguiça, de um deficiente preparo físico, do antigo estilo cadenciado e de marcar de longe, da má qualidade dos defensores ou dos atuais desequilibrados esquemas táticos?
Tudo isso.


E-mail - tostao.folha@uol.com.br

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