São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2008

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XICO SÁ

Sartre na roda de bobinho


Quem saberá sair da Ilhade Lost? Imagine se o Brasileiro valesse algo para o Sport. Seria um estrago

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, como diz o Aldir Blanc, aquele vascaíno bamba, eu estou bem comigo e isto é difícil, então vamos aproveitar a buena onda e dar tratos à bola, fazer um bobinho da existência, botar Jean-Paul Sartre na roda, esse enfezado de nascença, e não levar nada tão a sério, afinal de contas o capitalismo acabou, mas o Mercado da Encruzilhada, no Recife, está inteiro, lá posso ruminar os bodes, dormir após o almoço, reinventar Pasárgada, amar na rede e gritar: menos Fiesp e mais "siestas".
Melhor ainda se o Sport for campeão paulista no domingo, quando enfrenta o São Paulo na Ilha de Lost, também conhecida como do Retiro. Depois de bater o Timão, sorry, rapaziada guerreira, e de humilhar o conglomerado Traffic/Luxa/Palmeiras diversas vezes, basta uma vitória simples contra o tricolor burguês para que o Leão do Norte, o único brasileiro garantido na Libertadores desde que começou a brincadeira, assegure também o título antecipado de campeão paulista.
Não à toa os tricolores já luxemburgaram, a velha mania de ter álibi para as derrotas, como se os fracassos não fizessem parte da vida, qualé? Nas resenhas, só ouvi nego a falar mal do gramado, a se queixar do clima, como se o Morumbi fosse outro planeta, algo desaquecido, ecológico, um mundo cor de rosa e neutro.
Quem pretende ser campeão tem que saber como sair da Ilha de Lost. Sim, tem um probleminha grave: quem vai orientar o caminho? Perguntar para quem o destino? Para os gremistas? Sempre acham que estão nos Aflitos, nutrem-se das ilusões de uma saga única na Conselheiro Rosa e Silva e nem com GPS se recuperam das seguidas derrotas.
Imaginem se o Brasileiro valesse para o Sport. Seria um estrago. É que estamos só brincando de eu sou pobre-pobre-pobre de marré-marré-marré. Quem saberá sair da Ilha de Lost? Não há GPS ludopédico que oriente. Pergunte ao Mano Menezes, novo gênio da Série B. Ele até confiou no Saci, porque ali, velho, só com uma perna há chance de fuga.
Pena que não combinou com o deus Carlinhos Bala, preferiram a soberba, que não veste a massa corintiana, mas cai bem para a mídia sudestina. Ah, velho Blanc, o Vasco não anda lá essas coisas e andei pensando: não teria o dedo de Eurico Miranda nesse rumo da Cruz de Malta? Só para mostrar que, com Roberto, está tudo certo como dois e dois são cinco?
Mas deixo a bola com quem entende e acabo aqui, num frio danado de São Paulo, cantando, vê se me acompanha, abro o vinho, e brindo só, entre o Paraíso e a Consolação, o último metrô, começo e fim dos amores: "Acendo um cigarro molhado de chuva até os ossos/ E alguém me pede fogo -é um dos nossos/ Eu sigo na chuva de mão no bolso e sorrio/ Eu estou de bem comigo e isto é difícil/ Eu tenho no bolso uma carta/ Uma estúpida esponja de pó-de-arroz/ E um retrato meu e dela/ Que vale muito mais do que nós dois/ Eu disse ao garçom que quero que ela morra/ Olho as luas gêmeas dos faróis/ E assobio, somos todos sós...".
É, dom Aldir, chama o João para cantar no final, acabei a noite de ontem cantando essa com o velho e bom Sócrates, sabe a felicidade de um amigo novo que vem para sempre? Como é bom saber tocar de ouvido o tintim de um copo no outro!

xico.folha@folha.com.br



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