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FUTEBOL
O truco de Gustavo Nery
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
No truco, os sinais trocados
entre parceiros, para informar um ao outro as cartas que
têm em mãos, são uma prática
aceita e até cultivada. Boa parte
da graça do jogo consiste em evitar que a dupla adversária intercepte as mensagens. Tudo no truco é teatro, como indica o próprio
nome do jogo ("trucco", em italiano, é truque, fraude, disfarce).
O futebol não chega a tanto,
mas também é, em grande medida, uma arte da representação e
da dissimulação.
Dentro do próprio jogo, e respeitando suas regras, há inúmeras
situações de engodo. A começar
pelo drible, também chamado de
"finta", outra palavra vinda do
italiano, com o sentido de ação
dissimulada, embuste, fingimento. Além do drible propriamente
dito, que tem Garrincha como
deus supremo, há inúmeras outras "fintas" no futebol.
O jogador que finge preparar o
arremate a gol, mas toca a bola de
lado, o cobrador de pênalti que
ilude o goleiro quanto ao canto
em que vai chutar, o craque que
olha para um companheiro e passa a bola para outro -todos eles
estão fazendo uma encenação para ludibriar o adversário.
À parte essas múltiplas formas
de encenação inerentes ao jogo,
existe também uma modalidade
de representação para enganar a
arbitragem.
Do jogador que simula ter sofrido uma falta na área, é comum
dizermos que "vai concorrer ao
Oscar de ator". Do atleta que se
contorce no gramado, supostamente de dor, quando seu time
está vencendo, diz-se com freqüência que é "puro teatro".
E há, por fim, uma encenação
para a platéia. Essa é ainda mais
fascinante e variada.
Do atleta que ajoelha em campo e beija o escudo do time àquele
que dá um carrinho na pista de
atletismo para mostrar empenho
na busca de uma bola perdida,
passando pelas infindáveis coreografias na comemoração dos gols,
pelas mensagens nas camisetas e
até pelos acessórios cênicos (chupetas, máscaras etc), os futebolistas de hoje demonstram de várias
maneiras ter consciência da dimensão teatral de sua atuação.
Mas hoje a platéia não se limita
à torcida presente nas arquibancadas. Engloba milhões de pessoas servidas pelos mil olhos da
televisão.
Volta e meia ocorrem curtos-circuitos entre a encenação que
um jogador quer fazer e a imagem que chega ao público. Outro
dia, contra o Azulão, o corintiano
Gustavo Nery usou de esperteza
para enganar o juiz e forçar a expulsão de Dimba. Depois, piscou
o olho para os colegas, confirmando tacitamente o engodo.
Só que o Brasil inteiro viu, como
se interceptasse um sinal trocado
entre parceiros de truco. O mesmo
aconteceu, em escala global, com
um embuste semelhante perpetrado por Rivaldo na Copa-2002.
Presenciar lapsos assim é como
ouvir a voz do "ponto" no teatro,
presenciar "erros de gravação" na
TV ou os truques de uma filmagem. Por um momento, os andaimes da ficção ficam expostos e a
platéia assiste ao mesmo tempo
ao espetáculo e à sua construção.
Momentos decisivos
Fim de semana quente em vários fronts. No Brasileirão, o
confronto de amanhã, entre
Corinthians e Internacional,
poderá decidir (embora não
matematicamente) quem vai ficar com o título. Na Série B, hoje, dois páreos duros para ver
quem continua na luta para subir à elite. Também hoje, o Real
Madrid de Ronaldo e o Barcelona de Ronaldinho duelam para
ver quem manda no futebol da
Espanha.
Saudações
Bem-vindo, Xico Sá, que estreou ontem neste espaço com
uma boa amostra de sua saborosa prosa, ao mesmo tempo
refinada e popular. Até breve,
Mário Magalhães, que com sua
coragem e competência sempre
nos ensina sobre a dimensão
política e ética do esporte.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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