São Paulo, sábado, 19 de novembro de 2005

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FUTEBOL

O truco de Gustavo Nery

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

No truco, os sinais trocados entre parceiros, para informar um ao outro as cartas que têm em mãos, são uma prática aceita e até cultivada. Boa parte da graça do jogo consiste em evitar que a dupla adversária intercepte as mensagens. Tudo no truco é teatro, como indica o próprio nome do jogo ("trucco", em italiano, é truque, fraude, disfarce).
O futebol não chega a tanto, mas também é, em grande medida, uma arte da representação e da dissimulação.
Dentro do próprio jogo, e respeitando suas regras, há inúmeras situações de engodo. A começar pelo drible, também chamado de "finta", outra palavra vinda do italiano, com o sentido de ação dissimulada, embuste, fingimento. Além do drible propriamente dito, que tem Garrincha como deus supremo, há inúmeras outras "fintas" no futebol.
O jogador que finge preparar o arremate a gol, mas toca a bola de lado, o cobrador de pênalti que ilude o goleiro quanto ao canto em que vai chutar, o craque que olha para um companheiro e passa a bola para outro -todos eles estão fazendo uma encenação para ludibriar o adversário.
À parte essas múltiplas formas de encenação inerentes ao jogo, existe também uma modalidade de representação para enganar a arbitragem.
Do jogador que simula ter sofrido uma falta na área, é comum dizermos que "vai concorrer ao Oscar de ator". Do atleta que se contorce no gramado, supostamente de dor, quando seu time está vencendo, diz-se com freqüência que é "puro teatro".
E há, por fim, uma encenação para a platéia. Essa é ainda mais fascinante e variada.
Do atleta que ajoelha em campo e beija o escudo do time àquele que dá um carrinho na pista de atletismo para mostrar empenho na busca de uma bola perdida, passando pelas infindáveis coreografias na comemoração dos gols, pelas mensagens nas camisetas e até pelos acessórios cênicos (chupetas, máscaras etc), os futebolistas de hoje demonstram de várias maneiras ter consciência da dimensão teatral de sua atuação.
Mas hoje a platéia não se limita à torcida presente nas arquibancadas. Engloba milhões de pessoas servidas pelos mil olhos da televisão.
Volta e meia ocorrem curtos-circuitos entre a encenação que um jogador quer fazer e a imagem que chega ao público. Outro dia, contra o Azulão, o corintiano Gustavo Nery usou de esperteza para enganar o juiz e forçar a expulsão de Dimba. Depois, piscou o olho para os colegas, confirmando tacitamente o engodo.
Só que o Brasil inteiro viu, como se interceptasse um sinal trocado entre parceiros de truco. O mesmo aconteceu, em escala global, com um embuste semelhante perpetrado por Rivaldo na Copa-2002.
Presenciar lapsos assim é como ouvir a voz do "ponto" no teatro, presenciar "erros de gravação" na TV ou os truques de uma filmagem. Por um momento, os andaimes da ficção ficam expostos e a platéia assiste ao mesmo tempo ao espetáculo e à sua construção.

Momentos decisivos
Fim de semana quente em vários fronts. No Brasileirão, o confronto de amanhã, entre Corinthians e Internacional, poderá decidir (embora não matematicamente) quem vai ficar com o título. Na Série B, hoje, dois páreos duros para ver quem continua na luta para subir à elite. Também hoje, o Real Madrid de Ronaldo e o Barcelona de Ronaldinho duelam para ver quem manda no futebol da Espanha.

Saudações
Bem-vindo, Xico Sá, que estreou ontem neste espaço com uma boa amostra de sua saborosa prosa, ao mesmo tempo refinada e popular. Até breve, Mário Magalhães, que com sua coragem e competência sempre nos ensina sobre a dimensão política e ética do esporte.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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