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MOTOR
Dane-se tudo
FÁBIO SEIXAS
DA REPORTAGEM LOCAL
Boubacar Diallo tinha 10
anos e devia fazer as coisas
que crianças dessa idade fazem.
Nunca fui para a Guiné, mas
acredito que no interior do país a
afluência de lan houses e Playstations não seja das maiores. Boubacar, então, provavelmente
brincava com seus amigos miseráveis pelas ruas (há?) de sua aldeia e certamente era a esperança
dos pais que, afinal, o batizaram
em homenagem ao escritor que é
um dos raros orgulhos da nação.
Pois há uma semana, Boubacar
e os sonhos que o envolviam foram esmagados por um OSC Oscar, um jipe produzido na Lituânia, que, sem equipamentos, piloto e navegador, pesa 1.825 kg.
Morreram, todos, no helicóptero
de resgate, a caminho de Labé.
O carro participava do Dacar.
Pule um dia na folhinha, vá para os confins do Senegal, mude o
nome do menino para Mohamed
Ndaw, acrescente dois anos na
idade. E imagine uma arma mais
pesada, um caminhão. O restante
da história é igualmente trágico.
O veículo prestava serviços
-nefasta ironia- para o Dacar.
Morreu também um competidor entre as motos, australiano,
41 anos. Meus respeitos à viúva,
mas dane-se o drama do piloto.
Andy Caldecott ganhava para isso, sabia dos perigos, assinou papéis eximindo a organização do
que quer que ocorresse. Fazia
parte do rali. Os meninos, não.
Em sinal de luto, os organizadores desligaram o cronômetro na
chegada da prova. Mais uma vez,
dane-se. Isso não remedia nada.
É praxe dizer que, por definição,
o esporte a motor envolve riscos.
Nunca encontrei tal definição escrita em lugar nenhum, mas, se
ela existe, deveria limitar os riscos
a quem ganha para enfrentá-los.
Por n motivos, defendo a tese de
que o automobilismo e o motociclismo são, sim, atividades esportivas. Mas, quando uma competição mata duas crianças em dois
dias, é hora de parar para pensar.
Danem-se os esforços sobre-humanos dos quase 600 concorrentes que -ai que dó!- sacrificaram o réveillon pelas pedras e dunas do deserto. Danem-se a espetacular fotografia da prova, a festiva recepção na Espanha para o
campeão Marc Comá e o curioso
caso de Luc Alphand, campeão
mundial de esqui em 97 e vencedor nos carros. Dane-se tudo.
E não é preciso refletir por muito tempo para concluir que o Dacar-2006 não foi uma competição
esportiva. Para a PM paulista,
três mortes é chacina. É assim que
esta edição deveria ser lembrada.
Não sou contra ralis, muito pelo
contrário. De certa forma, eles
resgatam a essência das antigas
provas em estradas. Mas o Dacar,
está provado, saiu do controle.
Soluções, há. Como diminuir a
extensão da corrida e, assim,
"limpar" o trajeto da caravana.
Como aumentar o número de
postos de controle e, dessa forma,
manter os veículos em linhas
mais homogêneas. Como liberar,
sem restrições, o uso do GPS.
Ou como extinguir a prova.
Que todas elas, qualquer uma
ou qualquer outra mais eficiente
sejam adotadas para 2007. E que
os entusiastas do Dacar entendam que "rali da morte" não é
um slogan atraente ou ousado. É
um slogan pra lá de estúpido.
Pisada no pomodoro
A Ferrari diz que a pane na estréia do novo carro foi planejada. Era
um teste do pescador de gasolina, alega. Das duas, uma. Ou mente ou
cometeu uma burrice sem tamanho. Não poderia fazer a experiência
num dia em que Fiorano não estivesse coalhado de jornalistas?
Pra frente, Brasil
Esqueça os importados. A pole na Mil Milhas é do ZF, protótipo
"made in Brazil" dos Giaffone. A largada será amanhã, ao meio-dia.
Bons velhinhos
A GP Masters anunciou ontem o resto do seu primeiro calendário. O
ano verá provas no Qatar, em Monza, Silverstone e Kyalami. Há, ainda, uma data aberta: 1º de outubro. Brasil? É a idéia de Emerson.
E-mail fseixas@folhasp.com.br
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