São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOTOR

Dane-se tudo

FÁBIO SEIXAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Boubacar Diallo tinha 10 anos e devia fazer as coisas que crianças dessa idade fazem.
Nunca fui para a Guiné, mas acredito que no interior do país a afluência de lan houses e Playstations não seja das maiores. Boubacar, então, provavelmente brincava com seus amigos miseráveis pelas ruas (há?) de sua aldeia e certamente era a esperança dos pais que, afinal, o batizaram em homenagem ao escritor que é um dos raros orgulhos da nação.
Pois há uma semana, Boubacar e os sonhos que o envolviam foram esmagados por um OSC Oscar, um jipe produzido na Lituânia, que, sem equipamentos, piloto e navegador, pesa 1.825 kg. Morreram, todos, no helicóptero de resgate, a caminho de Labé.
O carro participava do Dacar.
Pule um dia na folhinha, vá para os confins do Senegal, mude o nome do menino para Mohamed Ndaw, acrescente dois anos na idade. E imagine uma arma mais pesada, um caminhão. O restante da história é igualmente trágico.
O veículo prestava serviços -nefasta ironia- para o Dacar.
Morreu também um competidor entre as motos, australiano, 41 anos. Meus respeitos à viúva, mas dane-se o drama do piloto. Andy Caldecott ganhava para isso, sabia dos perigos, assinou papéis eximindo a organização do que quer que ocorresse. Fazia parte do rali. Os meninos, não.
Em sinal de luto, os organizadores desligaram o cronômetro na chegada da prova. Mais uma vez, dane-se. Isso não remedia nada.
É praxe dizer que, por definição, o esporte a motor envolve riscos. Nunca encontrei tal definição escrita em lugar nenhum, mas, se ela existe, deveria limitar os riscos a quem ganha para enfrentá-los.
Por n motivos, defendo a tese de que o automobilismo e o motociclismo são, sim, atividades esportivas. Mas, quando uma competição mata duas crianças em dois dias, é hora de parar para pensar.
Danem-se os esforços sobre-humanos dos quase 600 concorrentes que -ai que dó!- sacrificaram o réveillon pelas pedras e dunas do deserto. Danem-se a espetacular fotografia da prova, a festiva recepção na Espanha para o campeão Marc Comá e o curioso caso de Luc Alphand, campeão mundial de esqui em 97 e vencedor nos carros. Dane-se tudo.
E não é preciso refletir por muito tempo para concluir que o Dacar-2006 não foi uma competição esportiva. Para a PM paulista, três mortes é chacina. É assim que esta edição deveria ser lembrada.
Não sou contra ralis, muito pelo contrário. De certa forma, eles resgatam a essência das antigas provas em estradas. Mas o Dacar, está provado, saiu do controle.
Soluções, há. Como diminuir a extensão da corrida e, assim, "limpar" o trajeto da caravana. Como aumentar o número de postos de controle e, dessa forma, manter os veículos em linhas mais homogêneas. Como liberar, sem restrições, o uso do GPS.
Ou como extinguir a prova.
Que todas elas, qualquer uma ou qualquer outra mais eficiente sejam adotadas para 2007. E que os entusiastas do Dacar entendam que "rali da morte" não é um slogan atraente ou ousado. É um slogan pra lá de estúpido.

Pisada no pomodoro
A Ferrari diz que a pane na estréia do novo carro foi planejada. Era um teste do pescador de gasolina, alega. Das duas, uma. Ou mente ou cometeu uma burrice sem tamanho. Não poderia fazer a experiência num dia em que Fiorano não estivesse coalhado de jornalistas?

Pra frente, Brasil
Esqueça os importados. A pole na Mil Milhas é do ZF, protótipo "made in Brazil" dos Giaffone. A largada será amanhã, ao meio-dia.

Bons velhinhos
A GP Masters anunciou ontem o resto do seu primeiro calendário. O ano verá provas no Qatar, em Monza, Silverstone e Kyalami. Há, ainda, uma data aberta: 1º de outubro. Brasil? É a idéia de Emerson.

E-mail fseixas@folhasp.com.br


Texto Anterior: Automobilismo: Barrichello fica atrás no 1º teste com Button
Próximo Texto: Futebol - Xico Sá: Prazer, Maria-Chuteira
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.