São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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MOTOR

E agora?

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Parece até de propósito. Na semana em que somos bombardeados com meia hora de Senna por dia, ficamos sabendo que a Ferrari deu alforria a Barrichello. Até Indianápolis, ou por meia temporada, os dois companheiros são também adversários.
Por meia temporada, brincaremos de torcer. Se a brincadeira será divertida ou não, isso está nas mãos de Barrichello, uma tremenda responsabilidade. Saberemos então se ele é o que acredita ser. E ele acredita que é muito.
Não duvido de Barrichello nem de quem aposta em seu talento. Percebo apenas um certo exagero nas atitudes e nos discursos, uma premência por se justificar mesmo quando não há necessidade.
Por exemplo, o melhor piloto brasileiro da atualidade passou os últimos anos tentando dizer que não deveria ser o segundo. Creio que seria bem mais fácil para ele afirmar, com todas as letras, em cada entrevista, que era o segundo. Schumacher é mais rápido? "Sou o segundo." Seu carro é diferente do dele? "Não, é que sou o segundo." Você deixou ele passar? "Eu sou o segundo, entendeu ou preciso repetir?"
Tivesse feito isso, evitado misturar a discussão de seu status na Ferrari com a sua capacidade, Barrichello poderia ter dito em Sepang um simples e desafiador "não sou mais o segundo". Bem melhor do que o velho e surrado "acredito que posso bater Schumacher", mantra que repetiu desde que entrou na equipe e que, diante dos fatos, caiu no vazio.
Barrichello tem seus motivos. Assumiu um papel que não deveria ser seu, pelo menos naquele momento. Sem Senna, a F-1 no Brasil era um paciente desenganado. E muita gente que ganhava dinheiro com a categoria por aqui encontrou no então jovem piloto da Jordan um placebo, uma forma de manter a coisa andando, mesmo que em outro patamar.
Barrichello seria apenas vítima dessa extorsão, mas se deixou seduzir pela soberba. Tratado como estrela sem ser, só percebeu que não era uma quando tombou e por pouco não foi parar no asilo da Indy. Fato raro na F-1, foi capaz de se levantar e chegou ao sonho de ser um piloto Ferrari.
Só que, com o carro vermelho, voltaram os venais, que deixaram mais uma vez Barrichello entre a realidade, a óbvia missão de escudeiro, e o delírio, imaginar que ele pudesse se impor a uma estrutura de centenas de milhões dólares montada exclusivamente para o alemão. Na qual, provou o tempo, era mais uma das engrenagens.
O novo macacão não lhe tirou o orgulho, característico de sua personalidade, mas deixou as coisas muito mais difíceis. Barrichello se viu dividido entre satisfazer seu público ou a Ferrari. Raros foram os momentos em que conseguiu cumprir as duas funções, jogar o ridículo da situação a seu favor. E muito foram os momentos em que ele é que caiu no ridículo.
Tudo isso mudou agora. Por força das circunstâncias -ainda não está claro o porquê da mudança ferrarista-, Barrichello pela segunda vez em sua carreira dá a volta por cima. Com a fundamental diferença de que, pela primeira vez, ele tem a perspectiva, tênue ou não, de ser campeão.

Começou
Se a Williams, em silêncio, fechou as portas para a indústria de cigarro, a Ford foi bem mais longe nesta semana. Richard Parry-Jones, vice-presidente da montadora americana, afirmou ser contra a permanência do cigarro na F-1, mesmo que a base de corridas seja fora da Europa, onde a legislação é mais branda. "A Ford e outras empresas não querem estar ligadas a um esporte que precisa do cigarro para se manter financeiramente saudável", disse o executivo. 2006 está aí.

Faça chuva, faça sol
O segredo da temporada está nos pneus ou na superioridade da Ferrari, confirmada pela liberação de Barrichello? O GP da Malásia pode dar um desenho do Mundial. Ontem, uma diferença de apenas quatro graus na temperatura do asfalto foi suficiente para a Michelin.


E-mail mariante@uol.com.br


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