São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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FUTEBOL

É uma honra

ANDRÉ KFOURI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hoje eu vou conhecer Pelé. Estou entre os felizardos que assistirão à pré-estréia do filme "Pelé Eterno", de Anibal Massaini, no Palácio dos Bandeirantes. Vou a trabalho, numa dessas ocasiões em que obrigação e diversão se confundem.
Já estive com o Rei. Fiz uma ou duas entrevistas com ele, vi vários de seus mais de mil gols na televisão, li muito sobre o que ele fez com a bola nos campos do mundo. Mas quem já viu o trailer ou partes do filme de Massaini diz que se trata de algo arrebatador, de uma experiência que vai convencer até os filhos de Diego Maradona de que não há comparação entre os dois gênios. Ouvi isso de quem teve a alegria de ver Pelé jogar com freqüência. Imagine quem não viu, como eu.
Na pele de Marty McFly, personagem de Michael J. Fox na série "De Volta para o Futuro" que dirigia um carro que voava pelo tempo, eu não teria nenhuma dúvida em digitar no painel os primeiros anos da década de 60 para uma visita. Assim poderia ver Pelé jogando naquele fantástico time do Santos e saciar uma curiosidade antiga. Os arquivos de gols que, vira e mexe, as TVs mostram são ótimos para provar como Pelé era craque, como criava, driblava e finalizava.
Mas não respondem à pergunta: "Era assim em todos os jogos?". Claro que não, já me disseram. Mas também disseram que ele decidia jogos com mais freqüência do que os craques de hoje. De certa maneira, continuo curioso. Queria passar um mês vendo o Rei jogando, só assim acho que teria uma idéia do monstro que ele foi.
E, depois, mudaria o rumo do carro do tempo para 1970, para ver a Copa do México.
Fantasias impossíveis.
Na Argentina, entre outras coisas, questiona-se o número de gols que Pelé marcou. Um colega da ESPN de lá me perguntou recentemente se estão computados os gols que ele fez em treinos ou em peladas entre amigos. Dizem também que, enquanto Pelé jogou com Tostão, Rivellino e Gérson, Maradona teve companheiros infinitamente inferiores. E concluem afirmando que "Dom Diego" jogou em uma época em que havia menos espaço, marcadores mais eficientes, um futebol muito mais competitivo. E, mesmo assim, brilhou.
Eu vi Maradona jogar, ele foi o maior craque que eu já vi. Mas nasci em 1973, não vi Pelé. E acho que quem usa o raciocínio acima também não viu, ou quis esquecer. Será que conseguiu? Estou entre os que acreditam que, se jogasse hoje, Pelé seria um jogador tão maravilhoso quanto foi. Teria o mesmo talento, a mesma genialidade e o preparo físico necessário para jogar mais, correr mais, agüentar pancadas e, se algum maluco exigisse, até marcar. Mas essa é outra fantasia impossível.
Ainda bem que será possível vê-lo na tela grande marcando gols quase inéditos, em imagens raras que chegaram de todas as partes do mundo durante os últimos quatro anos.
O jogo contra o Benfica, que Pelé classifica como um dos melhores de sua carreira. A recriação do "gol de placa" no Maracanã e do "gol da Rua Javari".
Depoimentos de companheiros e, claro, do próprio. Tudo narrado por Fúlvio Stefanini, com texto de Armando Nogueira.
No Brasil, há quem diga que, com o passar dos anos, as gerações se distanciarão tanto de Pelé que ele se transformará em um mito, algo em que será difícil acreditar. As cruéis comparações entre o gênio da bola e o homem comum ajudarão a diminuir seus feitos, mesmo que a televisão continue repetindo seus gols.
Nem poderão chamá-lo de Atleta do Século, pois já estamos em outro.
Tomara que "Pelé Eterno" consiga aproximar os infelizes que nasceram depois que Pelé parou daquilo que ele fazia quando jogava. Que seja um filme para ver várias vezes no cinema, comprar o DVD e assistir em casa quando bater aquela saudade de futebol. Um filme para apresentar o Rei Pelé a quem não teve a chance de conhecê-lo.

Minha alegria ao ser convidado para ocupar excepcionalmente este espaço tão nobre só não foi maior do que a tristeza ao conhecer o motivo. Solidarizo-me com a dor do genial Tostão, outro craque que eu não vi, colunista que não deixo de ler.


André Kfouri, 30, é repórter da ESPN Brasil
E-mail: andre.kfouri@espn.com.br

Excepcionalmente hoje Tostão não escreve neste espaço


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