São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 2006

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análise

Onze idéias sobre um time sem ideais

VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

1) Carlos Alberto Parreira é um sujeito civilizado, um alívio no ambiente do futebol, em especial no grosseiro ambiente do futebol do Brasil. É um estudioso do futebol. Apesar de melhores, pessoas estudiosas são mais sujeitas ao risco de acreditar demais em abstrações teóricas. No caso do futebol, em abstrações táticas. O time de Parreira é uma abstração: um fantasma tático sem alma.
2) Parreira é um sujeito teimoso, como quase todo técnico. Um teimoso adepto de abstrações táticas. Quase tirou o time da Copa de 1994 por não querer o atacante Romário. Romário levou a abstração de Parreira aos EUA e marcou os gols que levaram um esquema tático sem alma, embora funcional, ao título.
3) O esquema do Parreira 2006 não tem alma nem é funcional. Kaká e Gaúcho caem demais pelos lados do meio-campo. Emerson e Zé Roberto têm de ficar presos demais à frente da área. Há um buraco no meio-de-campo. Ninguém arma o jogo para os atacantes. Há pouca e falha marcação entre as intermediárias. O combate só começa com os "cabeças-de-área", como se dizia antigamente.
4) Adriano também foi deslocado para a ponta. Isolado, tem de voltar para buscar a bola. Mas Adriano é pesado. Não sabe buscar jogo. Não tem modos de ponta. Deixou de se projetar na direção do gol a fim de receber a bola dos armadores. Como os armadores não estão armando, a posição de Adriano é um equívoco casado com um engano, as posições de Gaúcho e Kaká.
5) Ronaldo está inflado de marketing e de superexposição. Não joga mais contra os adversários, mas contra sua imagem midiática, o que ele chama de "pressão". Está fora de forma. Se fosse um mero atleta, bastaria treinar mais. Como tornou-se uma marca do negócio esportivo, é escalado pela marquetagem. Mas marcas são intangíveis e incapazes de carregar o corpo e a cabeça pesados de Ronaldo Nazário.
6) A fama de Roberto Carlos e Cafu é um exagero propiciado por uma longa estiagem de laterais no futebol brasileiro. Não são, claro, equívocos terminais. Jogam em times "top" do mercado futebolístico, que não rasgam dinheiro. Mas os últimos grandes laterais do time nacional foram Júnior e Leandro. Houve um fruto de entressafra, Leonardo. Depois, seca.
7) Cafu é um grande atleta. Um sujeito simpático e cooperativo. Mas jamais soube cruzar ou chutar bem. Quando cruzava a bola, ainda no São Paulo, a gente ouvia o coro educado: "Cafu, vai comprar bambu".
8) Faz quase uma década que Roberto Carlos é pouco mais do que um gol de falta contra a China. Entrega-se a presepadas como doidas bicicletas dentro da área (lembra da Dinamarca?) ou como a cabeçada para o alto e para o meio da área contra a Austrália, que criou um tumulto com Dida e Lúcio e quase resultou em gol dos cangurus.
9) Robinho e ainda mais Fred tornaram-se celebridades instantâneas. Uma celebridade é um capricho transformado em mercadoria do negócio de imagens e fofocas. Mas eles são bons jogadores. Robinho é muito bom, talvez venha a ser excepcional. Mas jogou contra adversários cansados e em desvantagem no placar, mais descuidados com a defesa: teve mais espaço. Ele, Juninho, Cicinho (sai Cafu) e Gilberto (sai Roberto) podem fazer a diferença. Mas é um delírio fazer deles os salvadores da pátria.
10) Por falar em delírio: é o que poderia ter havido se Kaká tivesse convertido em gol o passe que recebeu de um Ronaldo de costas, no início da partida contra os cangurus. Um gol poderia ter exposto a defesa canguru mais cedo. Poderia até ter dado espaço para mais gols, até de Ronaldo. Mas seria apenas um delírio, não uma solução.
11) Por causa do mata-mata, a Copa do Mundo é um torneio muito influenciado pelos azares da sorte e pelo Sobrenatural de Almeida. O Brasil tanto pode ser eliminado por um gol contra de canela de Lúcio, contra Gana, como ganhar bem da Itália, inflar-se de ânimo e atemorizar adversários até a final vitoriosa.


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