São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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Atletas foram espiões dos comunistas

Estudo revela uso de campeões olímpicos pela Alemanha Oriental como agentes do serviço secreto na Guerra Fria

Cerca de 3.000 membros de delegações esportivas produziram relatórios para a polícia política quando competiam no exterior


GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Siegfried Brietzke não viajava o mundo apenas em busca de medalhas. Entre 1965 e 1984, o remador tricampeão olímpico pela ex-Alemanha Oriental conciliou seu garimpo por títulos em torneios internacionais com uma função secreta raramente atribuída a um homem do esporte. Ele era espião.
A atividade soa incomum, mas 25 pesquisadores provaram que o remador não era exceção. Em um documento histórico de 700 páginas, jogaram luz sobre um episódio nebuloso por mais de 30 anos e revelaram que 3.000 pessoas ligadas ao movimento olímpico -entre atletas, cartolas e médicos- atuaram como agentes no país.
O estudo virou livro, que será lançado no mês que vem.
Segundo os pesquisadores, os atletas e os dirigentes envolvidos produziram relatórios regulares para a Stasi, polícia política da fatia alemã dominada pelos comunistas após o término da 2ª Guerra Mundial.
Os informes abordavam desde detalhes da segurança dos países que os esportistas visitavam até o comportamento de companheiros de equipe que cogitavam abandonar o regime.
"Os esportistas e os dirigentes utilizados na espionagem precisavam colocar tudo o que viam no papel. Afinal, estamos na pátria-mãe da burocracia. Assim, conseguimos localizar os envolvidos e reconstituir os passos desta parceria", disse à Folha Giselhe Spitzer, professor da Universidade de Berlim e coordenador do estudo.
Ele explica que a escolha de campeões para o trabalho de agentes secretos não era aleatória. Eles deixavam o país com freqüência e não costumavam se opor aos chamados e às ordens dos comunistas.
O pesquisador não encontrou indícios de coação, mas explica que os atrativos oferecidos pela Stasi aos competidores-espiões eram irrecusáveis.
Os mais devotos, como Brietzke, ouro nas Olimpíadas de 1972, 1976 e 1980, recebiam um salário mensal que equivaleria hoje a R$ 200 pelas informações amealhadas.
"Hoje parece pouco. Mas, em um país comunista, onde atletas não contavam com contratos de patrocínio e precisavam conciliar treinos com trabalho, essa quantia significava muito", afirma Spitzer.
Competidores e dirigentes menos badalados, que não deixavam a Alemanha com regularidade, obtinham regalias por serviços prestados ao Estado, como financiamentos especiais para a aquisição de imóveis.
Não por acaso, o número de esportistas seduzidos pela polícia não parou de crescer. Pelas contas de Spitzer, 10% dos integrantes da delegação da Alemanha Oriental nos Jogos de 1972 agiram como espiões.
Na edição de Los Angeles-1984, os informantes já dominavam 25% do time olímpico.


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