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Confrontos entre locais e chineses dificultam obras
Importação de mão de obra da China e diferenças culturais
dão margem para xenofobia e estouro de prazo nos projetos
Greve em Moçambique acabou com um morto, e embaixador em Botsuana diz que operários do país não querem trabalhar muito
DA REPORTAGEM LOCAL
A generosidade chinesa para
a construção de estádios, especialmente
na África, tem uma
contrapartida. E ela apresenta
efeitos colaterais terríveis.
A China banca arenas modernas
nessas nações, mas entrega
a construção para suas
empreiteiras, que levam centenas
de operários chineses para
cada um dos canteiros de obra.
O resultado disso é um misto
de xenofobia (dos dois lados),
crimes e até uma tragédia já
consumada, em Moçambique.
Em abril passado, os operários
locais cruzaram os braços.
Reclamavam do atraso de salários,
de não receberem o que
havia sido combinado e ainda
do tratamento ruim recebido
dos chefes chineses.
Numa manifestação dos grevistas,
a polícia interveio com
violência e dois trabalhadores
acabaram baleados. Um deles,
de 22 anos, acabou não resistindo aos
ferimentos e morreu.
"A situação é tensa, mas as
coisas vão decorrendo com relativa
passividade, uma vez que
é quase impossível a constituição
de sindicatos nas empresas
chinesas. Quem tomar a iniciativa
de assumir a liderança sindical
ou acaba sendo despedido
ou não vê renovado o contrato",
explica João Feijó, que estuda a
relação dos operários moçambicanos
com os chineses.
Para justificar a importação
de trabalhadores chineses, que,
em boa parte dos casos, são
maioria nas obras dos estádios,
algumas autoridades do país
asiático ajudam a colocar lenha
na fogueira da xenofobia.
Ding Xiaowen, o embaixador
chinês em Botsuana, em artigo
reproduzido no próprio site da
entidade que chefia, disse que é
difícil encontrar no país africano
trabalhadores com habilidade suficiente para a obra.
"Poucos trabalhadores aqui
querem trabalhar por muitas
horas. Muitas pessoas aqui não
querem trabalhar em obras",
falou o diplomata, que ainda se
queixou da burocracia para trazer
compatriotas para a construção
do estádio de Botsuana,
o que, segundo ele, é uma das
causas do atraso das obras.
De acordo com Ding, uma autorização
de trabalho para um
operário pode demorar até três
meses para ser obtida.
A dificuldade em contratar
mão de obra local também é
apontada pelos chineses para o
estádio da Zâmbia começar a
ser construído só dois anos depois
de anunciado. Em outras
obras chinesas, especialmente
nos setores de mineração e infraestrutura,
líderes locais acusam
os asiáticos de pagarem
baixos salários e ignorarem regras básicas de segurança.
Outro ponto que causa divergência
é a origem da matéria-prima. Havia desconfiança,
por exemplo, sobre a qualidade
do cimento que a Zâmbia queria
repassar aos chineses para o
estádio de 40,1 mil lugares que
está sendo construído no país.
Algumas marcas foram reprovadas,
mas, depois, o governo
local convenceu os asiáticos a
usarem o produto doméstico.
Em alguns países africanos,
os trabalhadores chineses se
queixam da falta de segurança.
É o caso de Angola, onde a
população local reclama da invasão
de chineses (calcula-se que são mais de 50 mil).
Só na construção do estádio
de Benguela, uma das sedes da
próxima Copa da África, eram
700 operários chineses contra
apenas 250 angolanos.
São frequentes os relatos na
ex-colônia portuguesa de
agressões e roubos contra chineses,
até dentro de suas casas.
A polícia angolana afirma que
esse não é um problema restrito aos asiáticos.
(PAULO COBOS)
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