São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 2009

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Confrontos entre locais e chineses dificultam obras

Importação de mão de obra da China e diferenças culturais dão margem para xenofobia e estouro de prazo nos projetos

Greve em Moçambique acabou com um morto, e embaixador em Botsuana diz que operários do país não querem trabalhar muito

DA REPORTAGEM LOCAL

A generosidade chinesa para a construção de estádios, especialmente na África, tem uma contrapartida. E ela apresenta efeitos colaterais terríveis.
A China banca arenas modernas nessas nações, mas entrega a construção para suas empreiteiras, que levam centenas de operários chineses para cada um dos canteiros de obra.
O resultado disso é um misto de xenofobia (dos dois lados), crimes e até uma tragédia já consumada, em Moçambique.
Em abril passado, os operários locais cruzaram os braços. Reclamavam do atraso de salários, de não receberem o que havia sido combinado e ainda do tratamento ruim recebido dos chefes chineses.
Numa manifestação dos grevistas, a polícia interveio com violência e dois trabalhadores acabaram baleados. Um deles, de 22 anos, acabou não resistindo aos ferimentos e morreu.
"A situação é tensa, mas as coisas vão decorrendo com relativa passividade, uma vez que é quase impossível a constituição de sindicatos nas empresas chinesas. Quem tomar a iniciativa de assumir a liderança sindical ou acaba sendo despedido ou não vê renovado o contrato", explica João Feijó, que estuda a relação dos operários moçambicanos com os chineses.
Para justificar a importação de trabalhadores chineses, que, em boa parte dos casos, são maioria nas obras dos estádios, algumas autoridades do país asiático ajudam a colocar lenha na fogueira da xenofobia.
Ding Xiaowen, o embaixador chinês em Botsuana, em artigo reproduzido no próprio site da entidade que chefia, disse que é difícil encontrar no país africano trabalhadores com habilidade suficiente para a obra.
"Poucos trabalhadores aqui querem trabalhar por muitas horas. Muitas pessoas aqui não querem trabalhar em obras", falou o diplomata, que ainda se queixou da burocracia para trazer compatriotas para a construção do estádio de Botsuana, o que, segundo ele, é uma das causas do atraso das obras.
De acordo com Ding, uma autorização de trabalho para um operário pode demorar até três meses para ser obtida.
A dificuldade em contratar mão de obra local também é apontada pelos chineses para o estádio da Zâmbia começar a ser construído só dois anos depois de anunciado. Em outras obras chinesas, especialmente nos setores de mineração e infraestrutura, líderes locais acusam os asiáticos de pagarem baixos salários e ignorarem regras básicas de segurança.
Outro ponto que causa divergência é a origem da matéria-prima. Havia desconfiança, por exemplo, sobre a qualidade do cimento que a Zâmbia queria repassar aos chineses para o estádio de 40,1 mil lugares que está sendo construído no país. Algumas marcas foram reprovadas, mas, depois, o governo local convenceu os asiáticos a usarem o produto doméstico.
Em alguns países africanos, os trabalhadores chineses se queixam da falta de segurança.
É o caso de Angola, onde a população local reclama da invasão de chineses (calcula-se que são mais de 50 mil).
Só na construção do estádio de Benguela, uma das sedes da próxima Copa da África, eram 700 operários chineses contra apenas 250 angolanos.
São frequentes os relatos na ex-colônia portuguesa de agressões e roubos contra chineses, até dentro de suas casas. A polícia angolana afirma que esse não é um problema restrito aos asiáticos. (PAULO COBOS)

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