São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007

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TOSTÃO

Divagar é preciso

Pekerman diz que, se o Brasil trabalhasse questões táticas, venceria tudo. Digo que, se tivesse a garra deles, aí sim

JOSÉ PEKERMAN, que participou da formação de muitos excelentes jogadores argentinos, que foi treinador da seleção principal na Copa de 2006 e que é muito respeitado na Argentina e em todo o mundo, deu uma boa entrevista para a revista esportiva "Trivela".
Pekerman disse que "entender de tática não é saber diferenciar o 4-4-2 do 3-5-2, do 4-3-3, e sim compreender como funciona tudo isso". É uma óbvia verdade.
Até a grã-fina com narinas de cadáver (personagem do Nelson Rodrigues que ia ao estádio do Maracanã e não sabia quem era a bola) e os investidores e alguns dirigentes, que só enxergam o futebol como negócio, são capazes de desenhar em uma prancheta os diferentes esquemas táticos.
A forma de se posicionar em campo é apenas uma referência para os técnicos, atletas, torcedores e comentaristas. São os detalhes objetivos e subjetivos, as virtudes e as características dos jogadores e a capacidade dos treinadores e dos atletas de criar variações táticas durante a partida que dão vida, emoção, autonomia e eficiência ao futebol e aos esquemas táticos.
Pekerman afirmou ainda que, "se o Brasil trabalhasse bem as questões táticas, todos os adversários lutariam pelo vice-campeonato".
Esse conceito de argentinos e europeus de que os jogadores brasileiros são indisciplinados taticamente e de que os atletas e os treinadores conhecem pouco as estratégias táticas está ultrapassado.
A maioria dos treinadores brasileiros estuda bastante o assunto e exige obediência dos jogadores aos planos táticos. Acho até que eles exageram e supervalorizam os conhecimentos científicos.
A tão falada indisciplina tática e a completa improvisação em campo dos jogadores brasileiros ocorria antes dos anos 60.
A principal virtude da seleção de 1970 foi unir a disciplina e a organização tática com o talento individual, a criatividade, a improvisação e a ousadia.
Por outro lado, as questões táticas são muito mais discutidas na Argentina do que no Brasil pelos treinadores, atletas, torcedores e jornalistas.
Para muitos no Brasil, isso é um assunto menor, chato, pragmático, pouco intelectual e que deveria ser preocupação apenas dos treinadores. Discordo.
A principal diferença entre o futebol argentino e o brasileiro não é a aplicação nem o conhecimento tático, e sim o estilo mais aguerrido dos argentinos, de marcar em todo o campo, de jogar e não deixar jogar, de unir a habilidade com a correria e o jeito amador com o profissional de atuar.
Não se deve confundir estilo coletivo com vontade individual. Mas, como o futebol brasileiro teve na sua história maior número de craques -refiro-me a grandes jogadores do nível de Romário, Ronaldo, Zico, Ronaldinho Gaúcho, Di Stéfano, Labruna, Sivori e outros atletas-, o Brasil ganhou mais Copas do Mundo, embora os argentinos tenham vencido mais Taças Libertadores da América. Maradona e Pelé são jogadores à parte.
Volto ao Pekerman. Eu mudaria o seu conceito e diria que, se o Brasil tivesse o estilo mais aguerrido da Argentina, os outros lutariam pelo vice-campeonato. Ou, se a Argentina tivesse tantos craques quanto o Brasil, os adversários disputariam o segundo lugar.
Obviamente que essas frases são um exagero, figuras de linguagem. No futebol existem dezenas de fatores envolvidos no resultado de uma partida e na conquista de um título.
Além da morte, única verdade absoluta, uma das principais verdades relativas é a de que o futebol é uma caixinha de surpresas.


tostao.folha@uol.com.br

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