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TOSTÃO
Divagar é preciso
Pekerman diz que, se o Brasil trabalhasse questões táticas, venceria tudo. Digo que, se tivesse a garra deles, aí sim
JOSÉ PEKERMAN, que participou
da formação de muitos excelentes jogadores argentinos,
que foi treinador da seleção principal na Copa de 2006 e que é muito
respeitado na Argentina e em todo o
mundo, deu uma boa entrevista para a revista esportiva "Trivela".
Pekerman disse que "entender de
tática não é saber diferenciar o 4-4-2
do 3-5-2, do 4-3-3, e sim compreender como funciona tudo isso".
É uma óbvia verdade.
Até a grã-fina com narinas de cadáver (personagem do Nelson Rodrigues que ia ao estádio do Maracanã e não sabia quem era a bola) e os
investidores e alguns dirigentes, que
só enxergam o futebol como negócio, são capazes de desenhar em
uma prancheta os diferentes esquemas táticos.
A forma de se posicionar em campo é apenas uma referência para os
técnicos, atletas, torcedores e comentaristas. São os detalhes objetivos e subjetivos, as virtudes e as características dos jogadores e a capacidade dos treinadores e dos atletas
de criar variações táticas durante a
partida que dão vida, emoção, autonomia e eficiência ao futebol e aos
esquemas táticos.
Pekerman afirmou ainda que, "se
o Brasil trabalhasse bem as questões
táticas, todos os adversários lutariam pelo vice-campeonato".
Esse conceito de argentinos e europeus de que os jogadores brasileiros são indisciplinados taticamente
e de que os atletas e os treinadores
conhecem pouco as estratégias táticas está ultrapassado.
A maioria dos treinadores brasileiros estuda bastante o assunto e
exige obediência dos jogadores aos
planos táticos. Acho até que eles
exageram e supervalorizam os conhecimentos científicos.
A tão falada indisciplina tática e a
completa improvisação em campo
dos jogadores brasileiros ocorria antes dos anos 60.
A principal virtude da seleção
de 1970 foi unir a disciplina e a organização tática com o talento individual, a criatividade, a improvisação e
a ousadia.
Por outro lado, as questões táticas
são muito mais discutidas na Argentina do que no Brasil pelos treinadores, atletas, torcedores e jornalistas.
Para muitos no Brasil, isso é um assunto menor, chato, pragmático,
pouco intelectual e que deveria ser
preocupação apenas dos treinadores. Discordo.
A principal diferença entre o futebol argentino e o brasileiro não é a
aplicação nem o conhecimento
tático, e sim o estilo mais aguerrido
dos argentinos, de marcar em todo o
campo, de jogar e não deixar jogar,
de unir a habilidade com a correria
e o jeito amador com o profissional
de atuar.
Não se deve confundir estilo coletivo com vontade individual.
Mas, como o futebol brasileiro teve na sua história maior número de
craques -refiro-me a grandes jogadores do nível de Romário, Ronaldo,
Zico, Ronaldinho Gaúcho, Di Stéfano, Labruna, Sivori e outros atletas-, o Brasil ganhou mais Copas do
Mundo, embora os argentinos tenham vencido mais Taças Libertadores da América.
Maradona e Pelé são jogadores à
parte.
Volto ao Pekerman. Eu mudaria o
seu conceito e diria que, se o Brasil
tivesse o estilo mais aguerrido da Argentina, os outros lutariam pelo vice-campeonato. Ou, se a Argentina
tivesse tantos craques quanto o Brasil, os adversários disputariam o segundo lugar.
Obviamente que essas frases
são um exagero, figuras de linguagem. No futebol existem dezenas
de fatores envolvidos no resultado
de uma partida e na conquista de
um título.
Além da morte, única verdade absoluta, uma das principais verdades
relativas é a de que o futebol é uma
caixinha de surpresas.
tostao.folha@uol.com.br
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