São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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Bairro barra-pesada não põe fé em Copa segura

Hillbrow, nas cercanias de estádio da estreia do Brasil, tem alto índice de violência

Apesar da melhora em algumas áreas, região, em Johannesburgo, vê crescer o número de assassinatos e o medo dos comerciantes


FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO

A Fifa e o comitê que organiza a próxima Copa do Mundo apontam exagero na preocupação com a segurança pública na África do Sul, mas os moradores de Hillbrow, ao lado do palco de estreia do Brasil, teimam em desafiar o otimismo oficial.
"Nunca use um telefone celular em público, nem dentro do seu carro de vidro fechado. Alguém vai quebrar para tomá- -lo de você", afirma Heinz Meyer, 57, dono de uma lavanderia no bairro. Hillbrow é sinônimo de perigo até mesmo em Johannesburgo, uma cidade acostumada à violência.
Seus prédios decadentes, com roupas à mostra nas sacadas, suas ruas lotadas, com jovens desempregados de braços cruzados nas esquinas, e sua palpável sensação de medo encontram-se a menos de 2 km do estádio de Ellis Park, um dos dois em Johannesburgo que vão hospedar jogos do Mundial -o outro é o Soccer City.
No Ellis Park, em 15 de junho, o Brasil pega a Coreia de Norte. De carro, são cinco minutos do bairro-problema até o estádio. A pé, no máximo 20.
A má fama tem respaldo estatístico. A taxa de homicídios registrada entre março de 2008 e abril de 2009 (último dado disponível) foi de 88 por 100 mil habitantes -mais do que o dobro da média nacional e oito vezes a da cidade de São Paulo.
Enquanto a taxa sul-africana de homicídios diminuiu 3,49% naquele período, em Hillbrow ela cresceu 4,7%.
No início da década, já foi pior. Hillbrow chegou a ter número de assassinatos 30% maior. Caminhar à luz do dia pelo bairro congestionado é hoje arriscado, apesar de não mais uma atitude necessariamente suicida para um estrangeiro.
"Mas, assim que o sol se vai, eu também me vou", declara Meyer, o da lavanderia.
Por via das dúvidas, ele, como vários outros comerciantes do bairro, trabalha atrás de pesadas grades de ferro, que o mantêm separado da freguesia.
A sensação que fica para o cliente é a de estar sendo atendido por um presidiário.
Em Hillbrow, são cerca de 100 mil habitantes numa área demarcada por algumas grandes avenidas e inúmeras vielas, em pleno centro da cidade.
São nesses becos que se escondem gangues de traficantes de drogas, atualmente o principal problema do bairro.
Nigerianos, moçambicanos e zimbabuanos, quase todos ilegais no país, disputam com os sul-africanos a distribuição de crack e maconha. De acordo com estatísticas da polícia, o índice de "crimes relacionados a drogas" é quase 40% superior à média nacional.
De pé numa esquina num dia de sol, o nigeriano Klechi Anioch disse estar desempregado há dois anos. "A polícia nos intimida o tempo todo", afirma. Há alguns meses, ele invadiu, junto com quatro outros nigerianos, um prédio abandonado no bairro e lá montou acampamento. "Aluguel é caro, então temos que viver de improviso", justifica Aniochi.

Debandada dos brancos
Há 20 anos, Hillbrow era uma região de classe média, tomada por brancos e pelos pouquíssimos negros que conseguiram prosperar durante o regime do apartheid (1948-1990).
O fim da segregação racial, ironicamente, fez mal ao bairro. Os brancos e os negros de classe média saíram para os subúrbios. O centro de Johannesburgo decaiu, tomado pelas levas de subempregados e ilegais.
"Fui preso muitas, muitas vezes. Isso acontece quando não tenho dinheiro para subornar os policiais", afirma Gift Ncube, um zimbabuano ilegal que trabalha como cabeleireiro.
A polícia se mostra somente de vez em quando. Numa manhã inteira, a reportagem da Folha viu dois carros transitando pelas ruas. Quarteirões recorrem a seguranças particulares, pagos por uma cotização dos comerciantes locais.
"Nós sabemos que não é todo mundo que é perigoso por aqui. São, em geral, aqueles que não têm emprego", diz Nkosiyabo Ndlovu, proprietário de uma loja de ferragens -outro que trabalha separado do mundo exterior por grades.
Em Hillbrow, isso não é um grande consolo. Estima-se que 80% dos moradores não tenham um emprego formal.


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