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Bairro barra-pesada não põe fé em Copa segura
Hillbrow, nas cercanias de estádio da estreia do Brasil, tem alto índice de violência
Apesar da melhora em algumas áreas, região, em Johannesburgo, vê crescer
o número de assassinatos e
o medo dos comerciantes
FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO
A Fifa e o comitê que organiza a próxima Copa do Mundo
apontam exagero na preocupação com a segurança pública na
África do Sul, mas os moradores de Hillbrow, ao lado do palco de estreia do Brasil, teimam
em desafiar o otimismo oficial.
"Nunca use um telefone celular em público, nem dentro
do seu carro de vidro fechado.
Alguém vai quebrar para tomá-
-lo de você", afirma Heinz Meyer, 57, dono de uma lavanderia
no bairro. Hillbrow é sinônimo
de perigo até mesmo em Johannesburgo, uma cidade acostumada à violência.
Seus prédios decadentes,
com roupas à mostra nas sacadas, suas ruas lotadas, com jovens desempregados de braços
cruzados nas esquinas, e sua
palpável sensação de medo encontram-se a menos de 2 km do
estádio de Ellis Park, um dos
dois em Johannesburgo que
vão hospedar jogos do Mundial
-o outro é o Soccer City.
No Ellis Park, em 15 de junho, o Brasil pega a Coreia de
Norte. De carro, são cinco minutos do bairro-problema até o
estádio. A pé, no máximo 20.
A má fama tem respaldo estatístico. A taxa de homicídios registrada entre março de 2008 e
abril de 2009 (último dado disponível) foi de 88 por 100 mil
habitantes -mais do que o dobro da média nacional e oito vezes a da cidade de São Paulo.
Enquanto a taxa sul-africana
de homicídios diminuiu 3,49%
naquele período, em Hillbrow
ela cresceu 4,7%.
No início da década, já foi
pior. Hillbrow chegou a ter número de assassinatos 30%
maior. Caminhar à luz do dia
pelo bairro congestionado é hoje arriscado, apesar de não mais
uma atitude necessariamente
suicida para um estrangeiro.
"Mas, assim que o sol se vai,
eu também me vou", declara
Meyer, o da lavanderia.
Por via das dúvidas, ele, como
vários outros comerciantes do
bairro, trabalha atrás de pesadas grades de ferro, que o mantêm separado da freguesia.
A sensação que fica para o
cliente é a de estar sendo atendido por um presidiário.
Em Hillbrow, são cerca de
100 mil habitantes numa área
demarcada por algumas grandes avenidas e inúmeras vielas,
em pleno centro da cidade.
São nesses becos que se escondem gangues de traficantes
de drogas, atualmente o principal problema do bairro.
Nigerianos, moçambicanos e
zimbabuanos, quase todos ilegais no país, disputam com os
sul-africanos a distribuição de
crack e maconha. De acordo
com estatísticas da polícia, o índice de "crimes relacionados a
drogas" é quase 40% superior à
média nacional.
De pé numa esquina num dia
de sol, o nigeriano Klechi
Anioch disse estar desempregado há dois anos. "A polícia
nos intimida o tempo todo",
afirma. Há alguns meses, ele invadiu, junto com quatro outros
nigerianos, um prédio abandonado no bairro e lá montou
acampamento. "Aluguel é caro,
então temos que viver de improviso", justifica Aniochi.
Debandada dos brancos
Há 20 anos, Hillbrow era
uma região de classe média, tomada por brancos e pelos pouquíssimos negros que conseguiram prosperar durante o regime do apartheid (1948-1990).
O fim da segregação racial,
ironicamente, fez mal ao bairro. Os brancos e os negros de
classe média saíram para os subúrbios. O centro de Johannesburgo decaiu, tomado pelas levas de subempregados e ilegais.
"Fui preso muitas, muitas vezes. Isso acontece quando não
tenho dinheiro para subornar
os policiais", afirma Gift Ncube,
um zimbabuano ilegal que trabalha como cabeleireiro.
A polícia se mostra somente
de vez em quando. Numa manhã inteira, a reportagem da
Folha viu dois carros transitando pelas ruas. Quarteirões
recorrem a seguranças particulares, pagos por uma cotização
dos comerciantes locais.
"Nós sabemos que não é todo
mundo que é perigoso por aqui.
São, em geral, aqueles que não
têm emprego", diz Nkosiyabo
Ndlovu, proprietário de uma
loja de ferragens -outro que
trabalha separado do mundo
exterior por grades.
Em Hillbrow, isso não é um
grande consolo. Estima-se que
80% dos moradores não tenham um emprego formal.
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