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São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

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NÚMEROS PROVAM QUE ELE CAI EM JOGOS DECISIVOS

A questão Kaká

Ormuzd Alves/Folha Imagem
Kaká caminha na concentração do São Paulo em Extrema


Em recuperação de lesão na coxa, ídolo são-paulino tem amanhã, contra o Corinthians, mais uma oportunidade de mostrar que pode desequilibrar também nos mata-matas

PAULO GALDIERI
RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADOS ESPECIAIS A EXTREMA

Ele surgiu para a fama em uma final, mas seu convívio com decisões tem sido ruim dali prá cá.
Ok, as kakazetes estão mais interessadas em seu sorriso ou seu cabelo. Mas, para os torcedores do São Paulo, a preocupação não é a aparência. É a eficiência de Kaká em queda quando o time chega a um mata-mata. Dos 11 principais fundamentos medidos pelo Datafolha, Kaká sofre declínio em 8 quando comparados os números da primeira fase e dos mata-matas do Paulista-2003.
Quando a partida é decisiva, ele perde mais bolas e erra muito mais nas finalizações. Além de decair naquilo em que se destaca, suas estatísticas em outros fundamentos (desarmes, lançamentos e cruzamentos) também pioram.
O São Paulo enfraquece junto, mas menos que seu ídolo (5 de 11 fundamentos). Seus colegas têm consciência de que, de seu desempenho, dependem todos os são-paulinos. E quando o líder da seleção olímpica, o reserva da campanha do pentacampeonato mundial, o meia cobiçado por clubes europeus, a promessa para o meio-campo da Copa do Mundo de 2006 decai, a toda equipe do São Paulo padece junto.
"Ele sabe que o time depende dele. Se ele estiver em campo, é porque com certeza ele estará bem. Se ele entrar e não jogar bem, é até pior para a imagem dele", define o atacante Reinaldo, que ontem treinou fazendo a função do companheiro.
Há três semanas Kaká não vem treinando, queixando-se de dores musculares na coxa direita.
Na verdade, ele está em uma sinuca de bico. Caso não jogue amanhã, surgirão os detratores dizendo que ele "amarelou". Se entrar no sacrifício e o time perder, segue a pecha das finais.
Kaká mesmo definiu que em uma decisão como esta do Paulista, diante do Corinthians, "ou você é vilão, ou você é herói".
Pois, até agora, ele não tem mostrado muito heroísmo.
Seu começo foi promissor: em 2001, Kaká saiu da reserva dos juniores do São Paulo para estourar fazendo os dois gols do título do Torneio Rio-São Paulo.
Depois disso, veio uma série de tropeços em mata-matas. No Brasileiro-2001, o São Paulo caiu diante do Atlético-PR nas quartas-de-final. Em seguida, veio o fracasso na final do Rio-SP de 2002, diante do Corinthians -algoz também na última Copa do Brasil, dessa vez nas semifinais.
No Brasileiro-2002, a queda foi diante do Santos nas quartas-de-final, após fazer a melhor campanha disparada na fase regular.
Kaká viu seus números irem a pique. Sua média de finalizações certas foi de 53,6% para 25%. Seus dribles caíram quase pela metade (de 4,5 por jogo para 2,5).
A história se repete no Paulista-2003. Sua porcentagem de mira ao gol rival despencou de 40% para 0%. Seus lançamentos também desapareceram. E ele se deixa desarmar mais vezes (de 8,5 roubadas por partida para 9,3).
A presença de Kaká na decisão é quase certa. Já o lateral-direito Leonardo, também contundido, deve dar lugar a Gabriel, que ontem treinou em seu lugar. Ele terá a missão de marcar o atacante corintiano Gil, enquanto o volante Júlio Baptista ficará no encalço do lateral Kléber, tentando anular o setor esquerdo do rival.
Os treinos em Extrema (sul de Minas Gerais) estão sendo especialmente ríspidos. Primeiro, Luis Fabiano xingou Fábio Simplício depois que o volante chamou a atenção dele para marcar. "A gente sabe que o Luis é meio nervoso", aclamou Simplício.
Ontem, foi a vez de os atacantes Reinaldo e Itamar, que treinou no lugar de Kaká, se desentenderem. O motivo foi um contra-ataque fracassado. Após o treino, os dois ainda discutiam asperamente.
Alheio a tudo isso, Kaká só faz alongamento com os companheiros. Depois, sai para uma corridinha, enquanto os outros se engalfinham no coletivo. Falar com a imprensa só um dia sim, o outro não. O isolamento protege a esperança são-paulina para inverter a vantagem corintiana após o 3 a 2 de domingo passado.
Até os dirigentes tentam protegê-lo. O supervisor Marco Aurélio Cunha diz que sua queda de rendimento nos mata-matas é normal. "Nas decisões, você enfrenta times mais fortes, com defesas melhores. Os rivais dificultam mais o trabalho dele. É normal ele aparecer menos", argumenta Cunha. "As estatísticas servem para muita coisa, dão muita informações, mas não explicam tudo", completa o dirigente.
A lógica dele lembra uma célebre frase do escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910), que dizia existir três tipos de mentiras: "As mentiras, as malditas mentiras e as estatísticas".
"As estatísticas mostram o passado, mas não revelam o futuro", afirma Cunha. Kaká terá amanhã a chance de contrariá-las.


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