São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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FUTEBOL

Com dinheiro dos royalties da Petrobras, Grêmio de Coari lidera o Amazonense e pode ser 1º campeão do interior

Petróleo faz brotar equipe na Amazônia

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Atleta do Grêmio descansa no convés do Frei Galvão, que serve também para secar uniformes do time na viagem de Manaus a Coari


PAULO COBOS
ENVIADO ESPECIAL AO AMAZONAS

Ele brota no coração da Amazônia, leva fortuna para os cofres de uma cidade antes esquecida na floresta e banca um time de futebol que ameaça fazer história.
Impulsionado pelos royalties pagos pela Petrobras à cidade por seu solo rico em petróleo, o Grêmio de Coari (a 370 km de Manaus) avança para ser a primeira equipe do interior do Amazonas a conquistar o título estadual.
Até agora, justo na primeira vez que disputa a competição, faz campanha irretocável, com sete vitórias e um empate em oito jogos. Se empatar hoje, em casa, com o São Raimundo, levanta a taça do primeiro turno e garante vaga na Série C do Brasileiro deste ano e na Copa do Brasil de 2005.
Mas a história dos 18 jogadores comandados pelo técnico Paçoca, que costumam treinar no convés de barcos e descansar em alojamentos coalhados de redes, ultrapassa as fronteiras do esporte.
Dos 781 municípios que recebem royalties da Petrobras, Coari aparece em oitavo lugar no ranking dos que mais ganharam dinheiro em 2004. Nos últimos quatro anos, a cidade recebeu R$ 75 milhões só da petrolífera.
Com o pagamento de outros impostos (como o ISS) pela estatal e suas prestadoras de serviço, o orçamento anual é de R$ 70 milhões. Isso para 67 mil habitantes, significando R$ 1,05 mil por morador, média que coloca Coari no patamar de cidades ricas do Estado de São Paulo, como Santo André e São Bernardo do Campo.
A situação deve melhorar ainda mais. Coari, com a base de Urucu, tem, além de petróleo, uma enorme reserva de gás natural. Estão previstos gasodutos para levar o produto até Manaus e Porto Velho, o que deve incrementar ainda mais a receita para a cidade.
Tanto dinheiro não tirou o município da miséria. Dos adultos coarienses, 32% são analfabetos, mais do que o dobro da taxa registrada em termos nacionais.
No ranking do IDH (índice criado pela ONU para estimar a qualidade de vida), a cidade ocupa o 4.176º posto entre as mais de 5.000 localidades do Brasil. Embora só Manaus, a capital, capte mais recursos, Coari surge atrás de outros 31 municípios do Amazonas.
Mesmo com tantas pendências sociais, a prefeitura investe pesado no clube, presidido por Ossias Josino da Costa, que goza da fama de supersecretário em Coari.
Por mês, o Grêmio gasta pelo menos R$ 60 mil. Quase tudo sai do cofre municipal. "Sem a prefeitura, o clube não existiria", admite Jessé de Alencar, diretor financeiro da equipe e candidato a vereador nas eleições de outubro.

Despesas
Ainda que faça espartanas viagens de barco para participar do Amazonense, o Grêmio é caro para os padrões do futebol do Norte.
Os salários, pagos sempre em dia, partem dos R$ 500 para os iniciantes até os R$ 1.000 para os mais rodados. Segundo a CBF, 82% dos jogadores profissionais do país ganham até R$ 480.
Para ser aceito no Estadual, o Grêmio teve que assumir o compromisso de quitar as despesas dos times que atuarem em Coari. Hoje, por exemplo, o São Raimundo viaja para a cidade em vôo fretado. Um custo de R$ 7.000 para o clube -quer dizer, a cidade. Para 2005, a diretoria espera não ter que pagar as viagens dos rivais.
Boa parte da diretoria e comissão técnica são funcionários municipais, cedidos em tempo integral, sem contrapartida.
Marden Andes, que trabalha no setor de coleta de lixo da cidade, é o responsável, por exemplo, por contratar uma torcida de aluguel quando o time joga em Manaus.
Ele dispõe de verba de R$ 400 por partida para seduzir uma claque de 30 pessoas. O pacote inclui transporte, ingresso, batuque e doses de bebida alcoólica. "Contra o Cliper, comprei sete litros de cachaça e cinco de refrigerante para misturar. Às vezes, acaba a bebida, mas sempre dá para comprar umas doses extras", explica.
Para o futuro, planos ambiciosos. Um estádio com 20 mil lugares (quase um terço da população municipal) será construído em 2005 -o atual pode receber 4.000 pessoas. Um amistoso orçado em R$ 100 mil contra o Flamengo, que é patrocinado pela Petrobras, é negociado para setembro.
Já no segundo turno do Amazonense o clube deve ter reforços veteranos famosos. O ex-flamenguista Nélio e o ex-botafoguense Sérgio Manoel são os alvos.
Atual secretário da saúde de Coari (antes mandava nas finanças do município), o presidente Josino da Costa não esconde que o sucesso no futebol vai render frutos a seu grupo político. "É claro que o Grêmio vai ajudar bastante a gente nas eleições".
Isso se o chefe do grupo, o prefeito Adail Pinheiro (PPS), não tiver o mandato cassado. Em primeira instância, perdeu o cargo. É acusado de ter comprado o voto de atletas de futsal da cidade, também bancado pela prefeitura. Pinheiro voltou ao poder com uma liminar e espera decisão do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília.
O prefeito, que ganha R$ 10,8 mil mensais, promete deixar o Grêmio ainda mais forte. "O time está bem agora. Imagina quando eu colocar a mão nele também", diz Pinheiro, que adotou o slogan "40 anos em 4" na sua gestão.
A pequena oposição do município reclama dos gastos no clube e exige a fiscalização na confecção dos borderôs nos jogos em Coari, sucesso de bilheteria (a média de público caseira bate nos 3.000, o triplo do resto do Amazonense).

Retranca
Orgulhosos do time, os fãs não se incomodam com o estilo defensivo do Grêmio, que foi fundado como clube amador em 1977 por um morador da cidade que tinha simpatia pelo time gaúcho.
Das sete vitórias da agremiação de Coari, quatro foram por magros 1 a 0. O técnico Paçoca, 35, diz que o importante é vencer. "Tenho o grupo na mão. Meu modelo é o Felipão", diz ele, o único que usa credencial, com o apelido mesmo, nos jogos da equipe.


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