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FUTEBOL
Em 5 dias, time joga em campo encharcado, viaja pelo Solimões por 27 horas e fica sem treinar por causa da chuva
Água leva e faz sofrer o Grêmio de Coari
DO ENVIADO AO AMAZONAS
Ela vem do céu, está sob os pés e
por todos os lados. A água, força
motriz da floresta amazônica, leva
e faz dos jogadores do Grêmio de
Coari verdadeiros heróis na hora
de enfrentar adversidades inimagináveis para um time de futebol.
A Folha seguiu durante cinco
dias a sensação do Amazonense.
Acompanhou uma viagem de 27
horas pelo Rio Solimões em um
barco abafado, com os atletas tendo uma singela rede como dormitório. E já em Coari viu o chuvoso
"inverno tropical" deixar o time
pelo quarto dia seguido sem bola.
No dia 13, o Grêmio fez seu último jogo no primeiro turno em
Manaus, contra o Cliper, em um
campo que parecia um pântano.
O líder marcou logo no início do
primeiro tempo, mas depois, com
uniformes cheios de barro, caiu
de produção e só segurou o resultado. "Nosso time sempre joga
pior em Manaus no segundo tempo. O barco acaba com a gente",
diz o preparador físico Tição.
Nenhum time do Brasil despende tanto tempo viajando em um
campeonato estadual. Sem contar
a fase decisiva, o Grêmio passará
quase 405 horas, ou quase 17 dias,
navegando pelo Solimões. Na ida,
com a correnteza a favor, a jornada até Manaus dura 18 horas. Na
volta, contra o rio, pelo menos 27.
Foi o retorno para Coari que a
Folha acompanhou. Iniciada na
última segunda-feira, a viagem foi
em "embarcação de luxo", segundo os próprios jogadores.
O Frei Galvão tem três andares.
No primeiro, com a passagem
mais barata (R$ 40), é quase impossível conversar, dado o barulho do motor. Ali também tudo se
aperta. O vão entre as redes não
passa de 20 cm. No segundo andar (R$ 50) vai a maioria dos gremistas. Na cobertura estão as suítes (R$ 220), o bar e uma TV com
parabólica e DVD, que fica a
maior parte do tempo desligada,
já que a energia é racionada.
Tamanho conta no conforto.
"Só eu sei o que sofro", lamenta o
goleiro Fabrício, esparramando
seu 1,92 m (recorde do grupo) sobre a rede. "Não é lá essas coisas,
mas consigo dormir quase o tempo inteiro", diz o meia Dominguinhos, 1,56 m, o baixinho do time.
Com praticamente todo o elenco e a comissão técnica formados
por amazonenses -povo acostumado aos rios-, só quem se apavora é Tição, o preparador físico.
"Morro de medo. Dois sobrinhos
meus morreram em um acidente
de barco", diz ele, que, no entanto,
preferiu o rio ao avião na única
vez que o time pôde optar para
cumprir o trajeto Manaus-Coari.
Na segunda-feira, quem estreava no barco era Neneca, ex-Guarani, contratado para preparar
agora os goleiros do Grêmio.
"Vou me adaptar, mas foi difícil
dormir. Minha rede batia toda
hora em uma senhora", disse.
No Frei Galvão, a passagem dá
direito a refeições. Em uma sala
onde cabem 24 pessoas (o barco
comporta 350), pratos simples
são servidos após longa fila. "Na
sopa, eles prendem um pedaço de
carne no teto e só descem um
pouco para dar gosto", brinca o
atacante Roberto Rivellino, que
tem esse nome em homenagem
ao atual diretor corintiano.
Quando chega a noite, e o frio
aperta, o massagista Reinaldo
"Gianecchini" mistura produtos
farmacêuticos. O "analgésico" é
inalado. "É para aquecer", diz o
piadista do grupo, enquanto oferece o produto à reportagem.
Ninguém acorda depois das 7h.
Tomado o café, é hora de esticar
as pernas na parada em Codajás.
Quase todos descem do barco, e o
Grêmio vira atração. Na "Rádio
Beiradão", um serviço de alto-falante ao lado do porto, atletas e
cartolas dão entrevistas, interrompidas apenas para o anúncio
de um bingo que dará como sétimo prêmio um litro de cachaça.
Após o recreio vem o trabalho.
Os jogadores se exercitam no convés. O roupeiro aproveita o sol para estender os uniformes e tirar o
mofo da chuva, que chega forte na
parte final da viagem.
Na quarta-feira, quatro dias depois de pegar o Cliper, o time não
tinha onde treinar, já que seu
campo estava alagado. Com nenhum outro gramado disponível,
o jeito foi correr no asfalto e bater
bola num ginásio.
(PAULO COBOS)
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