São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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NATAÇÃO

Confederação contata prefeitura e alavanca R$ 26 mil mensais para Eduardo Fischer, mas fica com 66% do valor

CBDA põe pedágio em patrocínio público

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

As primeiras cifras assustaram Eduardo Fischer. Em janeiro, o nadador soube que havia obtido um contrato mensal de patrocínio que ultrapassava os R$ 26 mil, uma proeza na austera realidade do esporte olímpico do Brasil.
Animado, o atleta fez planos ambiciosos para a Olimpíada de Atenas, em agosto. Mas não demorou para se decepcionar.
Fischer descobriu que a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos gerenciará toda a verba. Mais: ficará com 66% do valor.
O dinheiro do patrocínio vem de um acordo entre a Prefeitura de Joinville, cidade onde o atleta nasceu e treina até hoje, e o governo de Santa Catarina.
Cada parte deve desembolsar oito parcelas mensais de R$ 13.382,50 para ajudar o nadador de 23 anos, recordista continental dos 100 m peito e uma das principais revelações das piscinas.
Só que, dos R$ 26.765,00 depositados a cada mês, a entidade que coordena os esportes aquáticos no Brasil vai tomar R$ 17.765,00 para cobrir "outros gastos com o atleta". Fischer recebe um salário de R$ 6.000, e seu técnico, Ricardo Carvalho, os R$ 3.000 restantes.
"O valor que sobra para mim é muito ínfimo em relação ao total. Por que o dinheiro precisa ir para a CBDA?", questiona o atleta.
O estranhamento só aumenta quando se constata que o projeto de Joinville foi concebido, escrito e encaminhado à cidade catarinense pela própria confederação.
O contrato, a que a Folha teve acesso, começou a ser lucubrado em outubro do ano passado.
Na época, Coaracy Nunes Filho, presidente da CBDA, procurou Antônio Lennert, diretor da Fundação Municipal de Esportes de Joinville. Ofereceu ao catarinense um projeto para que a cidade auxiliasse Fischer na preparação para a Olimpíada da Grécia.
O valor inicial do projeto era de R$ 238.120,00. A prefeitura julgou o montante alto demais, reduziu-o para R$ 214.120,00 e combinou de dividir os gastos com o governo do Estado. Cada um, portanto, arcaria com R$ 107.060,00.
No âmbito estadual, o patrocínio ainda não foi normatizado. Em Joinville, o projeto já foi aprovado na Câmara e virou a lei número 4.934, do dia 2 de março.
Fischer, assim, pode começar a receber já na próxima semana. Mas ainda quebra a cabeça para tentar entender o que será feito com a parte da CBDA.
"Eles dizem que o dinheiro é meu, que eu posso pegar quando precisar. Só que eu estou precisando dele agora. Não quero e não posso esperar", conta o competidor, que não foi consultado na elaboração do documento.
No texto, a confederação detalha mês a mês como utilizará a verba retida. São despesas com "análises biomecânicas", "apoio médico local" e gastos com participação do nadador em eventos nacionais e internacionais.
"Nós não ficamos com nada, absolutamente nada. Toda a verba que chega é revertida para o Fischer", explica Coaracy.
A confederação, contudo, já possui outras fontes de dinheiro para investir em infra-estrutura, treinamento e participação de seus nadadores em torneios.
Do Comitê Olímpico Brasileiro, a CBDA arrecada 4% do montante repassado às confederações pela Lei Piva. Em 2003, esse valor correspondeu a R$ 1,5 milhão.
Além disso, a entidade levou outros R$ 5 milhões no ano passado da parceria que mantém com os Correios desde 1991.
"Outros nadadores da seleção brasileira que não têm patrocínio ou apoio de prefeituras também vão fazer os mesmos exames, as mesmas viagens, e nem por isso terão dinheiro descontado. A CBDA tem outras fontes para bancar essas coisas", diz Fischer.
O fato que mais chama a atenção no contrato do nadador é um "auxílio financeiro" mensal destinado a Ricardo Moura, diretor técnico de natação da CBDA.
Apesar de viver no Rio, onde fica a sede da entidade, e não acompanhar a rotina diária do catarinense, ele vai levar R$ 1.200, metade da Prefeitura de Joinville e metade do governo do Estado.
"Meu técnico e preparador físico trabalham de graça há pelo menos um ano. Não tenho como pagá-los. Se o patrocínio será mesmo utilizado comigo, quero ao menos R$ 6.000 de cara para pagar os atrasados", diz o atleta.
Apesar dos protestos, a confederação mantém sua posição. Segundo Coaracy, existem dois outros contratos semelhantes aos de Fischer para serem fechados.
O primeiro foi encaminhado ao governo de Pernambuco, em benefício de Joanna Maranhão, recordista brasileira nos 400 m medley. O outro foi produzido para o amapaense Jader Souza, do quarteto que levou ouro no 4 x 100 m livre no Pan de Santo Domingo.


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