São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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Escolar brasileiro é gigante, diz estudo

Levantamento com 40 mil jovens causa polêmica ao mostrar que brasileiros são mais altos que americanos até 15 anos

Especialistas crêem que dificuldade de acesso ao esporte inibe potencial de crescimento e vêem desperdício de talentos


Bruno Miranda/Folha Imagem
Renan Buiatti, 16 anos, 2,07m, 75kg e dois anos de treino


ADALBERTO LEISTER FILHO
GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Renan Buiatti ainda não havia alcançado a faixa etária ideal e certamente não era o atleta mais habilidoso a passar pelo processo de seleção. Mesmo assim, os técnicos de vôlei do Banespa, um dos mais prestigiados clubes do Brasil, resolveram convidar o rapaz de 14 anos para treinar. A razão era simples: ele media 1,97 m.
A altura surpreende, soa quase como anomalia, mas uma pesquisa inédita realizada por 12 universidades brasileiras e apoiada pelo Ministério do Esporte indica que Renan pode não ser um caso tão isolado.
O resultado do estudo mostrou que os brasileiros entre 7 e 15 anos têm estatura média superior à dos norte-americanos, cuja curva de crescimento, revisada em 2000, é a indicada como padrão pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
O projeto, coordenado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), avaliou 41.654 crianças e jovens -a maior amostragem já utilizada em levantamentos do gênero.
Os dados foram coletados entre 2004 e 2005 por 76 técnicos. Eles visitaram escolas públicas e particulares de 72 municípios dos 27 Estados.
"Ficamos surpresos. Além de nos ajudarem a entender melhor a nossa população, os números abrem portas para acharmos jovens com aptidão para o esporte", explica o professor e livre-docente da UFRGS Adroaldo Gaya, um dos coordenadores do programa.
Não há, entre os idealizadores, a pretensão de usar a nova curva como padrão do país -houve representação ligeiramente maior de jovens do Sudeste. Apontam, todavia, que o Brasil é, sim, um criadouro de talentos. Se lapidados, poderão competir até com os EUA, principal potência do planeta.
A explicação para o inusitado fenômeno, relatam alguns especialistas, está na melhoria da saúde da população, com alimentação mais apropriada -apesar de ainda existirem diversos focos de desnutrição- e prevenção de doenças.
"Antes, a criança perdia um ano doente, o que atrapalhava seu crescimento. Hoje estamos caminhando para atingir o nosso potencial genético", afirma Rômulo Sandrine, presidente do departamento científico de endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Existem também vozes dissonantes, que questionam os dados. "Muito do desenvolvimento da criança se dá nos dois primeiros anos. Um crescimento na puberdade não significa que o jovem será um adulto alto. E, apesar de ter havido melhoria da nutrição nos grandes centros, é complicado generalizar. Acho difícil estender o resultado da pesquisa para todo o Brasil", relata Angela Spinola, pediatra da Unifesp.
Polêmica à parte, os resultados voltam a surpreender quando comparados aos da Austrália, outra referência olímpica. O padrão se repete: até os 15 anos, superioridade de estatura para os brasileiros. Depois, australianos e norte-americanos tomam a primazia.
"Já é forte no meio científico a hipótese de que a maturação biológica do brasileiro ocorre antes da registrada em outros países. Vale lembrar que, após os 15 anos, fatores ambientais ganham mais importância no processo de crescimento. Talvez isso explique essa nossa queda", afirma Dartagnan Pinto Guedes, doutor em biodinâmica do movimento humano e professor da Universidade Estadual de Londrina (PR).
Ele se refere, entre outros diferenciais externos, ao contato com atividades esportivas. "O esporte não faz ninguém virar gigante, mas ajuda a alcançar o potencial de crescimento."
Renan, o jogador de vôlei que abre esta reportagem, encaixa-se perfeitamente nesse contexto. Ele recebe tratamento diferenciado desde que chegou ao Banespa -foi aceito aos 14 anos na peneira para garotos no mínimo um ano mais velhos. "Ele tem potencial. Se será bom, só tempo dirá", relata o preparador físico Marcelo Munhoz.
Daquela seleção, em dezembro de 2004, até hoje, o jovem passou quase um ano só nos treinos. Seu corpo mudou.
Assistido por nutricionistas e com trabalho específico de musculação, ganhou 10 cm -mede, aos 16 anos, 2,07 m. Pesa 75 kg, 20 a mais do que em 2004. "Sempre fui muito magro. Agora tomo suplemento alimentar", conta o mineiro.
Não é fácil, contudo, ter acesso a uma estrutura tão requintada. Longe dos clubes e das universidades, o contato com o esporte é precário no Brasil.
Pesquisa do IBGE divulgada há dois meses mostrou que só 12% dos colégios públicos de ensino básico do país, majoritariamente municipalizado, têm quadras ou piscinas. Nas áreas rurais, o índice cai para 2,5%.
No âmbito das escolas estaduais, responsáveis prioritariamente pelo ensino médio, a situação melhora -58% possuem instalações esportivas-, mas ainda é problemática.
"Altura é hoje um atributo fundamental em várias modalidades. Temos potencial. Fazer essas promessas chegarem ao esporte é o desafio", diz Gaya.


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