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Escolar brasileiro é gigante, diz estudo
Levantamento com 40 mil jovens causa polêmica ao mostrar que brasileiros são mais altos que americanos até 15 anos
Especialistas crêem que dificuldade de acesso ao esporte inibe potencial de crescimento e vêem desperdício de talentos
Bruno Miranda/Folha Imagem
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Renan Buiatti, 16 anos, 2,07m, 75kg e dois anos de treino |
ADALBERTO LEISTER FILHO
GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Renan Buiatti ainda não havia alcançado a faixa etária
ideal e certamente não era o
atleta mais habilidoso a passar
pelo processo de seleção. Mesmo assim, os técnicos de vôlei
do Banespa, um dos mais prestigiados clubes do Brasil, resolveram convidar o rapaz de 14
anos para treinar. A razão era
simples: ele media 1,97 m.
A altura surpreende, soa quase como anomalia, mas uma
pesquisa inédita realizada por
12 universidades brasileiras e
apoiada pelo Ministério do Esporte indica que Renan pode
não ser um caso tão isolado.
O resultado do estudo mostrou que os brasileiros entre 7 e
15 anos têm estatura média superior à dos norte-americanos,
cuja curva de crescimento, revisada em 2000, é a indicada
como padrão pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
O projeto, coordenado pela
UFRGS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), avaliou
41.654 crianças e jovens -a
maior amostragem já utilizada
em levantamentos do gênero.
Os dados foram coletados entre 2004 e 2005 por 76 técnicos. Eles visitaram escolas públicas e particulares de 72 municípios dos 27 Estados.
"Ficamos surpresos. Além de
nos ajudarem a entender melhor a nossa população, os números abrem portas para
acharmos jovens com aptidão
para o esporte", explica o professor e livre-docente da
UFRGS Adroaldo Gaya, um dos
coordenadores do programa.
Não há, entre os idealizadores, a pretensão de usar a nova
curva como padrão do país
-houve representação ligeiramente maior de jovens do Sudeste. Apontam, todavia, que o
Brasil é, sim, um criadouro de
talentos. Se lapidados, poderão
competir até com os EUA, principal potência do planeta.
A explicação para o inusitado
fenômeno, relatam alguns especialistas, está na melhoria da
saúde da população, com alimentação mais apropriada
-apesar de ainda existirem diversos focos de desnutrição- e
prevenção de doenças.
"Antes, a criança perdia um
ano doente, o que atrapalhava
seu crescimento. Hoje estamos
caminhando para atingir o nosso potencial genético", afirma
Rômulo Sandrine, presidente
do departamento científico de
endocrinologia da Sociedade
Brasileira de Pediatria.
Existem também vozes dissonantes, que questionam os
dados. "Muito do desenvolvimento da criança se dá nos dois
primeiros anos. Um crescimento na puberdade não significa que o jovem será um adulto
alto. E, apesar de ter havido
melhoria da nutrição nos grandes centros, é complicado generalizar. Acho difícil estender
o resultado da pesquisa para todo o Brasil", relata Angela Spinola, pediatra da Unifesp.
Polêmica à parte, os resultados voltam a surpreender
quando comparados aos da
Austrália, outra referência
olímpica. O padrão se repete:
até os 15 anos, superioridade de
estatura para os brasileiros.
Depois, australianos e norte-americanos tomam a primazia.
"Já é forte no meio científico
a hipótese de que a maturação
biológica do brasileiro ocorre
antes da registrada em outros
países. Vale lembrar que, após
os 15 anos, fatores ambientais
ganham mais importância no
processo de crescimento. Talvez isso explique essa nossa
queda", afirma Dartagnan Pinto Guedes, doutor em biodinâmica do movimento humano e
professor da Universidade Estadual de Londrina (PR).
Ele se refere, entre outros diferenciais externos, ao contato
com atividades esportivas. "O
esporte não faz ninguém virar
gigante, mas ajuda a alcançar o
potencial de crescimento."
Renan, o jogador de vôlei que
abre esta reportagem, encaixa-se perfeitamente nesse contexto. Ele recebe tratamento diferenciado desde que chegou ao
Banespa -foi aceito aos 14 anos
na peneira para garotos no mínimo um ano mais velhos. "Ele
tem potencial. Se será bom, só
tempo dirá", relata o preparador físico Marcelo Munhoz.
Daquela seleção, em dezembro de 2004, até hoje, o jovem
passou quase um ano só nos
treinos. Seu corpo mudou.
Assistido por nutricionistas e
com trabalho específico de
musculação, ganhou 10 cm
-mede, aos 16 anos, 2,07 m. Pesa 75 kg, 20 a mais do que em
2004. "Sempre fui muito magro. Agora tomo suplemento
alimentar", conta o mineiro.
Não é fácil, contudo, ter acesso a uma estrutura tão requintada. Longe dos clubes e das
universidades, o contato com o
esporte é precário no Brasil.
Pesquisa do IBGE divulgada
há dois meses mostrou que só
12% dos colégios públicos de
ensino básico do país, majoritariamente municipalizado, têm
quadras ou piscinas. Nas áreas
rurais, o índice cai para 2,5%.
No âmbito das escolas estaduais, responsáveis prioritariamente pelo ensino médio, a situação melhora -58% possuem instalações esportivas-,
mas ainda é problemática.
"Altura é hoje um atributo
fundamental em várias modalidades. Temos potencial. Fazer
essas promessas chegarem ao
esporte é o desafio", diz Gaya.
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