São Paulo, sábado, 21 de junho de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

Já era Dunga

Os aplausos para Messi, que tanto irritaram Gilberto, mostram que a torcida quer, e merece, diversão e arte

AINDA NEM terminou o primeiro semestre e já temos várias pérolas concorrendo ao título de "frase do ano".
Nos últimos dez dias surgiram pelo menos duas. Dunga: "A seleção brasileira não precisa de Kaká e Ronaldinho". Gilberto: "O problema é o público brasileiro aplaudir o Messi". O páreo é duro.
Diante da primeira frase, a única resposta possível é uma pergunta: e quem precisa de Dunga? A segunda requer uma reflexão mais extensa.
Não faz muito tempo, eram os torcedores adversários que aplaudiam o talento dos brasileiros. Pelé, Garrincha, Rivellino, Zico, Romário, Ronaldo: todos arrancaram aplausos das platéias de todos os quadrantes.
Cruyff, Platini, Maradona e Zidane também. O futebol é um espetáculo destinado a proporcionar prazer e alegria a qualquer pessoa que tenha um mínimo de sensibilidade para ele. Mas espetáculo é palavrão para os desprovidos de talento. Pode notar: eles sempre falam de modo ressentido e rancoroso dos verdadeiros craques. Esses indivíduos infelizes repisam incansavelmente a tecla da derrota do Brasil para a Itália em 1982, que seria a "prova" definitiva de que arte não ganha jogo.
Tudo bem, admitamos isso. Mas futebol feio e sem imaginação também não ganha. Basta ver os últimos jogos da seleção de Dunga.
Sofrer uma derrota como Portugal sofreu diante da Alemanha, na Eurocopa, é doloroso, mas consola, amadurece e humaniza, porque o time português jogou um futebol franco e belo até o último instante.
Mal comparando, viver uma derrota assim é como assistir a uma tragédia no teatro, com os componentes de catarse e elevação moral que Aristóteles identificava no gênero.
Já um empate opaco e estéril como o 0 a 0 de Brasil e Argentina é uma experiência broxante, quase lúgubre. É como ver novela mexicana dublada no SBT. Faz vir à tona toda a mediocridade de que somos feitos quando abrimos mão de sonhar.
Por isso o Mineirão aplaudiu Messi. O rapaz baixinho e desprovido de glamour, que parece, ele sim, o Dunga dos sete anões, fez o torcedor lembrar que o futebol é uma arte vital, na qual resplandece ocasionalmente o engenho humano.
Pouco importava naquele momento que a camisa de Messi fosse azul e branca e não verde e amarela.
O recado dos torcedores era claro: "A gente não quer só comida/ A gente quer comida, diversão e arte". Não precisamos nos contentar com a cesta básica que Dunga nos oferece.
Podemos e devemos exigir caviar.
Há mais de cem anos desenvolvemos por aqui um futebol único, incomparável, admirado em todo o planeta. Por que nos conformar com o futebol de (maus) resultados do nosso carrancudo técnico?
Mas a culpa, em última instância, não é de Dunga. É de quem o colocou lá: Ricardo Teixeira, que agora frita em público o ex-protegido. Ele que pôs no comando da equipe mais gloriosa do mundo um ex-jogador que nunca tinha sido treinador.
A motivação, como comentei na época, era demagógica, buscando satisfazer os sentimentos vingativos da torcida após o fiasco de uma seleção coalhada de estrelas na Copa do Mundo de 2006. No tempo ruim, a culpa é sempre do artista. E assim impera a mediocridade.


jgcouto@uol.com.br

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