São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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Primeira dama

Mulher do zagueiro Vicelich comemora os 20 minutos em que a Nova Zelândia ficou na frente dos atuais campeões mundiais

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A AUCKLAND

Faltam duas horas e meia para o início do jogo, e Marisa, 31, já está no bar Fox, no centro de Auckland. Camisa dos All Whites, número 5 e o nome Vicelich às costas. "Falamos duas vezes por dia, todos os dias. Hoje, apesar de toda a experiência, ele estava nervoso. É um jogo crucial para nossas vidas", afirma.

 

Os membros do Auckland City assistiram à estreia da Nova Zelândia na Copa, 1 a 1 contra a Eslováquia, na sede do clube. Mas decidiram, a partir de ontem, ver os jogos num bar. O motivo: com as partidas começando às 2h locais, os sócios mais idosos não apareceriam mesmo. Esta é a décima parada da série "Um Mundo que Torce".

 

Ivan Vicelich, 33, é o recordista em jogos pela seleção neozelandesa. Zagueiro, atuou por sete anos na Holanda, pendurou as chuteiras, retornou à Nova Zelândia. A aposentadoria durou cinco meses. O Auckland City e a seleção o convenceram a voltar. "Além de jogar, ele dá aulas de futebol para crianças nas escolas", diz Marisa.

 

Todos os colegas de Vicelich no Auckland City, quinto colocado no Mundial de Clubes de 2009, têm outras ocupações. O clube é amador. Apenas um time no país se profissionalizou, o Phoenix, que atua na Liga Australiana.
"Pagamos uma ajuda de custo", afirma o presidente do Auckland, Ivan Vuksich. Quando a Folha visitou o clube, ontem, o cartola estava pintando a arquibancada.

 

Um cigarro e algumas cervejas depois, Marisa está pronta para o início do jogo. "Não fui para a África do Sul porque nosso filho, Luka, só tem dois anos. E ouvimos que lá pode ser perigoso. Mas admito que estou arrependida."

 

As caixas de som do bar, que tocavam "I Gotta Feeling", do Black Eyed Peas, silenciam. Entra o Haka, música que acompanha o ritual de guerra maori celebrizado pelos All Blacks, time de rúgbi do país, o melhor do mundo.

 

Um comentarista da TV aparece na tela. Marisa simula ânsia de vômito. Ri. Toca o hino. A câmera focaliza Vicelich. Começa a partida, ela faz o sinal da cruz.

 

Há cinco pessoas na mesa. Há 17 garrafas de cerveja.

 

Três minutos de jogo. Marisa vira para Angela, irmã de Ivan: "Estamos jogando muito bem". Mais três minutos, e sai o gol da Nova Zelândia. As duas se abraçam. Marisa sobe no banco, canta "Olê, olê, olê, olê" com o bar.

 

Um torcedor tira a cúpula do lustre, coloca na cabeça.

 

Aos 21min, sai o gol da Itália. Marisa leva as mãos ao rosto, não diz nada. Fica calada até o intervalo. "Está bom. Ficamos por 20 minutos à frente dos campeões!"

 

Chega mais um balde de cerveja na mesa.

 

Marisa passa o segundo tempo calada. E, sem saber o que fazer com as mãos, coça o nariz, segura o pescoço, alisa o cabelo. Aos 19min, Vicelich acerta chute de fora da área que passa rente à trave. "Já pensou se ele faz?", diz.

 

O juiz dá quatro minutos de acréscimo. "Cala a boca", ela grita para a TV. Fim de jogo, 1 a 1 histórico de uma seleção semiamadora com a Itália. "É fácil ser mulher de jogador de seleção?", indaga a reportagem. "O que você acha?", responde Marisa, exibindo as mãos trêmulas.


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