São Paulo, sábado, 21 de julho de 2007

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TOM PHILLIPS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Apesar dos pesares

O problema não é o que acontece no Maracanã ou no Engenhão, mas o que acontece a alguns passos de seus portões

M AIS UM prato de arroz com feijão estava chegando ao fim quando Theo, 9, filho de minha namorada, voltou-se para mim e disse: "Tom, por que você só escreve sobre coisa triste?".
Quando a Folha me convidou para descrever minha visão do Rio, por ocasião do Pan, eu imediatamente pensei em Theo, um menino comum do Rio, obcecado pelo Botafogo, que como muitos gostaria de saber por que os jornalistas gringos parecem dedicar seu tempo aos aspectos miseráveis da Cidade Maravilhosa.
Basta folhear meu diário para ter uma explicação parcial. A vida como jornalista estrangeiro consiste em alternar o que a cidade tem de melhor e o que tem de muito, muito pior. É uma excursão tanto à beleza quanto ao caos da cidade mutante.
Recentemente, o melhor significa jantar com Plínio Fróes, dono do clube de samba Rio Scenarium, acompanhado pela hipnótica trilha sonora dos mais talentosos jovens do Brasil. Também significa ir ao churrasco de uma amiga em Santa Teresa e descobrir Yamandú Costa dedilhando seu violão ao meu lado.
Significa passar uma noite batendo papo com diplomatas e jornalistas na residência do cônsul britânico no Rio, em um canto arborizado e elegante da zona sul. Também significa ver o trabalho de alguns cirurgiões de qualidade mundial, que conseguiram restaurar um dedo da minha namorada depois de um acidente doméstico. Em sua melhor forma, o Rio é inegavelmente maravilhoso.
Infelizmente, minhas experiências não param por aí. Folheando meus cadernos, não é difícil encontrar o outro lado da cidade dividida. Estão lá a tarde que passei contando cadáveres no Hospital Getúlio Vargas, após confrontos no Alemão; as conversas no meio da noite com adolescentes armados de granadas que me explicavam o que fariam caso a polícia se aproximasse das favelas; e havia parentes inconsoláveis dos jovens policiais militares abatidos a tiros.
Quando me perguntam o que penso, meu caderno diz quase tudo. O Pan será bom para a Cidade Maravilhosa, lugar a que todos amamos apesar dos pesares? Sem dúvida. Os novos e espetaculares estádios, as ruas recentemente pavimentadas beneficiam o Rio? Certamente. Será que é possível, como disse o presidente Lula a um colega brasileiro, "organizar o melhor Pan de todos os tempos"? Não duvido. O problema, porém, não é o que se passa sob os refletores de última geração do Maracanã ou no gramado do Engenhão, mas o que acontece a alguns passos de seus portões.


TOM PHILLIPS, 25, é correspondente do inglês "Guardian" e está no Rio há dois anos


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