São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 2006

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Zé Cabala e o divino Pagão

AMANHÃ vou ver o show do Chico Buarque (não na fila do gargarejo, porque lá é caro, mas a moça da bilheteria me garantiu que com binóculo eu vou enxergar o Chico direitinho). Então, para ir treinando, coloquei um antigo CD no carro e escutei a música "Futebol". Lá no final, no último verso, Chico coloca seu ataque ideal: Mané, Didi, Pelé, Pagão e Canhoteiro.
Por conta disso decidi entrevistar Pagão, o grande ídolo futebolístico do Chico. Como o célebre centroavante já está estudando a geologia dos campos santos, tive que recorrer a Zé Cabala, o carteiro do além, o telefonista das almas, o skype dos desencarnados.
Logo que cheguei à casa do mestre, Gulliver, seu assistente anão (mas que prefere ser chamado de homem resumido), abriu os braços e disse: "Até que enfim! Desde a Copa não vemos o seu dinheiro, quero dizer, não vemos o companheiro!". Lisonjeado pelas saudades de Gulliver, entrei e fui falar com o sábio dos sábios, que estava em sua rede.


No clima do show do Chico, falei com integrante do ataque ideal do cantor, que tinha ainda Mané, Didi, Pelé e Canhoteiro

"Dormindo, supremo guru?"
"Não. Estava só examinando o lado de dentro de minhas pálpebras."
Aliviado por não ter atrapalhado o sono do grande vidente, falei: "Hoje eu gostaria de falar com Pagão".
Imediatamente ele colocou um turbante, rodopiou pela sala e bateu o pé no sofá. Enquanto pulava num só pé, disse para mim: "Ai, ai, ai, não é à toa que me chamavam de Canela de Vidro!".
"Quem fala é a alma de Paulo César Araújo?"
"Pode me chamar de Pagão."
"É uma honra falar com um centroavante tão admirado pelos seus próprios companheiros."
"É, o Coutinho sempre diz que eu sou o melhor que ele viu jogar."
"O senhor começou no Jabaquara, não foi?"
"Isso. Depois fui para a Portuguesa Santista e de lá para o Santos, em 56, com 22 anos. Eles precisavam de alguém para o lugar do Del Vecchio.
E eu comecei bem. Já nesse ano fiz 34 gols. No ano seguinte, 33."
"E na carreira toda?"
"Só no Santos foram 159 gols. Mas eu não era do tipo artilheiro. Saía da área e preparava a jogada para os colegas. Era um centroavante moderno. Talvez o primeiro, não sei."
"O senhor ganhou muito títulos pelo Santos?"
"Ah, um monte. Foram seis Paulistas, duas Taças Brasil, uma Libertadores e um Rio-São Paulo."
"E a primeira tabelinha do Pelé no Santos foi com o senhor, não é?"
"É. Logo que ele entrou em campo para fazer o teste, eu roubei a bola do Zito e passei para o garoto. Ele podia tentar driblar o zagueiro, mas acho que ele estava preocupado em não errar, então me devolveu a bola. Aí eu driblei o Ramiro e fiz o gol."
"E como foi sua carreira no São Paulo?"
"Fiquei lá dois ou três anos, mas não estava inteiro. Mesmo assim, fiz uns 50 e poucos jogos e 14 gols. Acho que a minha melhor atuação no Tricolor foi naquela célebre vitória de 4 a 1 sobre o Santos, quando o Peixe encenou um cai-cai para acabar com a partida. Joguei bem à beça e ainda fiz o quarto gol."
"E como foi o fim da sua carreira?"
"Depois do São Paulo, voltei para o Santos, mas já estava passado dos 30. Ainda fui para os EUA, só que o futebol lá engatinhava. No fim, voltei à várzea e joguei no meu Lanus. Ou seja, comecei e acabei na várzea."
"E hoje existe um campo de futebol amador com seu nome, não é?" "Isso mesmo, em Santos. É uma honra para mim." "O senhor sabia que o Chico Buarque usa o seu nome na camisa dele? E até imita o seu jeito quando fica parado, descansando numa perna." "Sabia. É também uma honra." "E ele é tão bom quanto o senhor?" "Olha.., digamos que, quando está parado, ele me imita direitinho."

torero@uol.com.br


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