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Doença intriga futebol italiano
Pesquisa no país mostra que incidência de Esclerose Lateral Amiotrófica é maior entre ex-jogadores
Enfermidade, ainda sem cura e causa conhecidas, provoca fraqueza e atrofia muscular e já tem mobilizado astros e clubes para ajudar as vítimas
GINA DE AZEVEDO MARQUES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM ROMA
Esclerose Lateral Amiotrófica, três palavras para definir
uma doença fatal que ameaça
os profissionais que jogaram ou
jogam futebol na Itália.
Investigação coordenada pelo magistrado Raffaele Guariniello revelou que futebolistas
italianos têm risco 30 vezes
maior de desenvolver a doença
do que a média dos europeus.
O retrato dessa sentença foi
visto recentemente na TV. Stefano Borgonovo, 44, ex-atacante da seleção italiana e do Milan, decidiu ser porta-voz dos
doentes que convivem com a
ELA. A entrevista impressionou. Com dificuldade de falar e
inerte, mas lúcido, pediu fundos para combater a doença.
O impacto das imagens do
ex-atleta fez lembrar outros jogadores vítimas da ELA, como
Signorini, capitão e ídolo do
Genoa nos anos 90, e Lombardi, jogador do Avellino. Com
eles, emergiram dados pouco
conhecidos publicamente.
Segundo as estatísticas, na
Europa, dois em cada 100 mil
habitantes desenvolvem ELA.
Na Itália, a pesquisa de Guariniello, com ajuda de médicos
especialistas, abordou 24 mil
ex-jogadores profissionais das
três divisões de futebol local de
1960 até 2006 e descobriu que
cerca de 50 tinham a doença -a
maioria cumpriu a carreira a
partir do início dos anos 80.
Essa síndrome provoca atrofia muscular progressiva. O paciente normalmente permanece lúcido. Hoje, não há cura
nem causa conhecidas.
O físico Stephen Hawking,
66, é um dos mais conhecidos
portadores de ELA.
Após o depoimento de Borgonovo, jogadores já se mobilizaram: Massimo Mauro e Gianluca Vialli criaram uma associação para ajudar as famílias
das vítimas. Fabio Cannavaro,
capitão da seleção italiana, propõe que parte da renda dos jogos do time vá para pesquisas
médicas. Fiorentina e Milan arrecadarão fundos com o amistoso que será realizado em 8 de
outubro, em Florença.
A Justiça italiana agora indaga por que o mal atinge tanto os
futebolistas. "Não acho que seja
um fenômeno italiano. Só tivemos acesso aos arquivos médicos nacionais, por isso nos limitamos à Itália. Gostaria de saber se, por exemplo, no Brasil a
incidência da ELA no futebol é
alta", disse Guariniello à Folha.
Outra pesquisa, do professor
Adriano Chiò, do Departamento de Neurociência da Universidade de Turim, examinou dados de 7.325 futebolistas profissionais de 18 a 69 anos, entre
1970 e 2006. Foram achados
oito casos, seis vezes mais do
que a hipótese inicial de 1,24. A
idade média do surgimento da
ELA era de 43 anos. "Idade
mais baixa do que aquela na
qual a doença se manifesta, que
em geral é 65 anos", disse Chiò.
Para verificar se existe relação da ELA com as atividades
esportivas, foram examinados
ciclistas profissionais italianos
entre 1945 e 2001 e jogadores
de basquete entre 1980 e 2003.
Não houve nenhum caso.
Confiando que a incidência
entre futebolistas não é casualidade, os especialistas intensificam as pesquisas.
"As hipóteses principais são
doping, remédios, suplementos alimentares, pequenos
traumas nos membros inferiores ou na cabeça e uso de fertilizantes na grama", disse Guariniello, que quer ir além das
causas das doenças. "É preciso
apurar as responsabilidades.
Por isso, é justo falar de homicídio culposo e, quando as causas forem provadas, indicar os
autores dos crimes."
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