São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 2002

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FUTEBOL

A sombra de Pelé

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Surge um novo Pelé."
A frase foi dita (e até escrita) por muita gente na euforia que se seguiu à espetacular conquista do título brasileiro pelo Santos. Referiam-se, obviamente, ao fantástico Robinho.
Logo me vieram à lembrança alguns jovens talentos de outras épocas que também receberam precocemente, um após o outro, o peso do epíteto de "novo Pelé".
Alguns acabaram se libertando da carga e construíram carreiras de sucesso, ainda que bem mais modestas que a do Rei. Um exemplo é Claudio Adão, que foi artilheiro no Santos, no Flamengo e em mais uma dúzia de times pelo mundo afora.
Mas alguém se lembra de Eusébio? Não, não estou falando do magnífico craque da seleção portuguesa que encantou o mundo na Copa de 1966, na Inglaterra, e sim de um garoto que chegou a fazer dupla com Pelé no Santos, no início dos anos 70.
Não tenho a menor idéia do que aconteceu com ele. Só sei que, durante algumas semanas, ele foi "o novo Pelé". Talvez não tenha sido forte o suficiente para suportar a implacável comparação.
Essa busca frenética por um "sucessor" foi mais intensa durante os anos em torno da aposentadoria do Rei.
Tostão, por exemplo, foi chamado de "Pelé branco", mas a interrupção precoce de sua carreira frustrou os torcedores. Anos depois, foi a vez de Zico receber a mesma denominação -e a mesma carga terrível de expectativas.
Quem não se lembra daquele sambinha "A Camisa 10 da Seleção", que dizia: "Dez é a camisa dele./ Quem é que vai ficar com a dele?".
O tempo passou, novos craques vieram, o Brasil conquistou mais duas copas e produziu outros "melhores do mundo" (oficialmente três: Romário, Ronaldo e Rivaldo). Mas o fato é que Pelé é uma figura tão grande que sua sombra continua pairando sobre o nosso futebol.
Tive uma primeira indicação disso ao desembarcar em Paris, para a Copa do Mundo de 1998: um imenso painel com a imagem de Pelé pendia do teto do saguão principal do aeroporto Charles De Gaulle. Pouco importa que se tratasse de uma propaganda de cartão de crédito. Para quem chegava à cidade, era como se ela estivesse sob a égide da divindade maior do futebol.
A prova final veio com Robinho. Talvez por ser ainda um adolescente franzino e abusado, que até fisicamente lembra o Rei no início da carreira, ele fez todo mundo pensar em Pelé. (Outros falaram também em Garrincha, acrescentando algumas toneladas à carga simbólica que pesa nos ombros do garoto.) Mais modestamente, lembrei de Dener.
Robinho, não resta dúvida, é um jogador extraordinário, à altura dos maiores talentos que surgiram no país nos últimos anos: Ronaldinho, o gaúcho, Kaká e Diego, colega de Robinho.
Esses outros três jogadores têm a vantagem de não se parecerem (nem no físico, nem no estilo de jogo) com Pelé.
E também de não terem brilhado tão intensamente numa final de campeonato, o Brasileiro-2002, vista por todo mundo.
Se quiser escapar do destino de Eusébio (o santista, não o moçambicano) e continuar encantando as torcidas, Robinho terá de manter a cabeça no lugar e sair, tanto quanto possível, da sombra de Pelé.
Ainda bem que, pelo menos, sua camisa não é a 10.

Pontos x mata-mata
Definiu-se, finalmente, que o Brasileirão de 2003 será por pontos corridos. Muito bem. Mas confesso que os mata-matas do campeonato deste ano foram tão eletrizantes que fizeram balançar minha velha preferência pelos pontos corridos. Estes últimos são, sem dúvida, a fórmula mais justa e racional. Mas um torneio organizado dessa maneira só é emocionante quando praticamente todos os jogos valem alguma coisa -seja para classificar para algum torneio importante, seja para fugir do rebaixamento. Dito isso, talvez fosse melhor só implantar o sistema de pontos corridos quando o campeonato tivesse apenas 20 participantes (o do ano que vem terá 24 clubes) e o novo torneio pan-americano estivesse consolidado a ponto de tornar atraente a disputa pela classificação a ele. Ou seja: jornalista nunca está contente.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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