São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Equilíbrio e imaginação

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Após o Mundial de 2002, o Brasil não fez uma única brilhante partida sob o comando do Parreira. Nos 13 jogos amistosos e pelas eliminatórias, a seleção teve cinco vitórias, duas derrotas e seis empates, sendo três por 0 a 0. Isso é preocupante.
Não concordo que o Brasil jogou mal neste e em outros amistosos porque os atletas não se empenharam. Time que atua mal nos amistosos geralmente não vai bem nas partidas oficiais, como nos quatro jogos pelas eliminatórias. O Brasil não venceu a Copa-2002 porque os jogadores atuaram com mais vontade do que o habitual, e sim, principalmente, porque os craques se recuperaram na hora certa. A eliminação precoce e surpreendente dos principais rivais facilitou a conquista.
Após o jogo contra a Irlanda, Parreira disse pela milésima vez que o rival tinha oito jogadores atrás da linha da bola. A maioria das equipes atua dessa forma. Se o Brasil marcasse por pressão, pelo menos durante parte do jogo, recuperaria mais a bola e encontraria mais espaços na defesa.
No primeiro tempo, a Irlanda marcou mais na frente, teve mais a posse de bola e criou mais chances de gol. No segundo, eles cansaram, recuaram e formaram duas linhas de quatro. Isso facilitou para o Brasil, que trocou mais passes e criou mais oportunidades de gol. Tenho muito mais receio das equipes que não recuam tanto e que marcam por pressão, já que os armadores brasileiros têm dificuldades de sair dessa marcação.
O fato de o Brasil não ter sofrido gol é uma ilusão. Roque Júnior estava muito lento, chegou atrasado várias vezes e foi driblado com facilidade pelos irlandeses, que não têm nenhuma habilidade. Lúcio atuou bem.
Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká insistiram demais nas tabelas pelo meio. O mesmo acontecia com Rivaldo. A equipe com dois meias ofensivos e um único atacante fixo, que deu tanto certo na Copa de 2002, ainda não funcionou bem. O Cruzeiro vive o mesmo problema com Alex, Rivaldo e um centroavante (Guilherme).
Se os laterais brasileiros forem bem marcados, não há jogadas pelas pontas. Além disso, Cafu e Roberto Carlos não são alas. São laterais e não podem deixar os dois zagueiros desprotegidos.
Os dois armadores pelos lados (Zé Roberto e Kleberson ou Júlio Baptista) são mais volantes do que meias, ao contrário do que diz o Parreira. Os dois têm de proteger os zagueiros e chegam pouco à frente. O time está com dois setores isolados. Os três do meio-campo não se misturam nem trocam de posição com os três mais adiantados. Isso foi evidente nas eliminatórias, principalmente contra o Peru.
Falta um jogador que acabe com essa divisão burocrática, que não tenha uma única função, que seja mais imprevisível e que tenha mobilidade, velocidade e criatividade para defender e atacar. Esse jogador poderia ser o Robinho, no lugar do Zé Roberto.
Zé Roberto é um armador habilidoso, tem mobilidade e velocidade para avançar e recuar, mas se tornou muito burocrático. O futebol pragmático e o rigor tático dos europeus ajudam em algumas coisas e atrapalham em outras. Do lado direito, Juninho Pernambucano ou Renato -é mais criativo do que Kleberson ou Júlio Baptista.
Parreira não afirmou, mas fiquei com a impressão, pelas suas entrevistas, que Kaká será o titular contra o Paraguai, no lugar do Rivaldo. Se Kaká tivesse brilhado nesse jogo, seria mais certo. No Cruzeiro, Rivaldo poderá voltar a jogar bem.
Parreira tem razão ao dizer que precisa formar um e não dois times. Técnico que troca demais de jogadores e de tática fica perdido. Porém, se o técnico tivesse experimentado alguns jogadores, um ou dois de cada vez, desde o primeiro jogo após o Mundial, o time manteria o conjunto da Copa e o técnico definiria melhor o elenco e alguns titulares.
Como as eliminatórias vão terminar perto da Copa e o Parreira não vai fazer mais experiências, a equipe e o elenco já estão praticamente escolhidos para o Mundial de 2006. Serão quase os mesmo de 2002. Isso é perigoso.
O equilíbrio e a racionalidade são as principais virtudes e deficiências do Parreira. Técnico inventor, confuso e facilmente influenciável pelas críticas é um desastre. Parreira não se ilude e nem se arrisca. Tudo é planejado. Porém, as vezes, é preciso imaginar e pular etapas. "O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo." (Manoel de Barros)

E-mail
tostao.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Atleta promete rebolado na 1ª vez na Sapucaí
Próximo Texto: Panorâmica - Olimpíada: Para receber Jogos de 96, Atlanta omitiu por anos crimes cometidos na cidade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.