|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JACQUES ROGGE
Presidente do Comitê Olímpico Internacional diz que COB é um dos raros comitês com ajuda estatal
Brasil é privilegiado por ter dinheiro público, afirma COI
ROBERTO DIAS
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE
O COB (Comitê Olímpico Brasileiro) é "privilegiado" por ter no
dinheiro público sua principal
fonte de financiamento. O adjetivo é do presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), o belga Jacques Rogge.
"Talvez apenas 10% dos comitês
olímpicos nacionais do mundo
tenham apoio do governo", diz.
Só no ano passado, o aporte ao
COB foi de R$ 47,5 milhões, repassados por determinação da Lei
Piva, a grande novidade do esporte brasileiro em relação à última
Olimpíada -desde 2001, o comitê e sua versão paraolímpica ganham 2% da arrecadação das loterias federais. Rogge, que aprova
a lei, aponta que muitos países
não têm condições de fazer tal investimento no esporte.
O resultado dessa aposta poderá
ser conferido na Olimpíada de
Atenas, que começa em 144 dias.
Na semana passada, em entrevista por telefone, Rogge, 61, explicou que esses Jogos serão marcados pelo maior rigor contra o doping e no esquema de segurança.
Folha - O sr. já disse acreditar que
o rigor no antidoping é que fez o
número de casos crescer. Assim, faz
sentido esperar grande aumento
no número de atletas com problemas em Atenas?
Jacques Rogge - É ainda muito
cedo para dizer. Mas eu não ficaria de maneira nenhuma preocupado por isso. Quanto mais atletas pegarmos, melhor é. Isso significa que nossos métodos estão
ficando cada vez melhores. Nós
aumentamos o número de testes.
Provavelmente vamos introduzir
novos exames para drogas que
hoje ainda não são detectáveis. Se
tivermos muitos casos, é um bom
sinal, mostra que o sistema funciona bem. Veja o que ocorreu em
Salt Lake City [a última Olimpíada de inverno, em 2002]. Nós tivemos sete casos positivos. Nos 18
Jogos anteriores, nós tivemos
apenas cinco casos positivos. Se
me disserem que é um mau sinal,
eu digo: "Não, é um bom sinal".
Folha - Quais serão esses novos
testes?
Rogge - Não vou dizer a você,
porque isso prejudicaria o efeito
deles. Queremos manter em segredo, para que os atletas não se
sintam tentados a se dopar.
Folha - O sr. espera realizar exames de hGH [hormônio de crescimento] em Atenas?
Rogge - Sim, esperamos.
Folha - Sendo esses testes totalmente novos, serão confiáveis?
Rogge - Sim, só vamos usá-los se
forem totalmente validados pela
comunidade científica.
Folha - O que está sendo feito em
relação à segurança dos Jogos depois do que ocorreu em Madri?
Rogge - A segurança é sempre
calculada de maneira a minimizar
qualquer risco. Está claro que um
cenário como o das bombas de
Madri é um dos que têm sido considerados pelas forças de segurança. Há hipóteses em que esses cenários estão incluídos.
Folha - Mas vai mudar algo?
Rogge - Escute: quanto menos
falarmos sobre segurança, melhor. Posso dizer que as medidas
de segurança são
máximas, mas não
vou entrar em descrições sobre o que
vai ser feito e o que
não vai ser feito,
porque, se todo
mundo souber o
que a segurança está fazendo, não seria mais uma medida de segurança.
Ela seria fragilizada.
Folha - Um turista
passará por mais
inspeções do que
nos Jogos passados?
Rogge - Sim.
Folha - O sr. não teme que Atenas se
pareça mais com um
cenário de guerra do
que com uma sede
olímpica?
Rogge - Se você vai para um aeroporto, você é inspecionado. Você tem algum tempo para tirar
seus sapatos e seu cinto. A bagagem é checada, rechecada e checada pela terceira vez. Grandes filas. Muitas empresas aéreas têm
guardas a bordo. Vivemos numa
era diferente desde o 11 de Setembro. As pessoas estão se adaptando a isso. Posso dizer que os Jogos
não se parecerão com um campo
militar. Mas ao mesmo tempo digo que as forças de segurança estarão presentes, prontas para intervir em qualquer
lugar a qualquer
momento.
Eu fui a muitos Jogos. Estava em Munique em 72 [quando atletas israelenses foram mortos
por terroristas] e estava também em 76
[em Montréal].
Posso dizer a você
que os Jogos de 76
foram os de segurança mais reforçada que eu vi na minha vida. Mas aquilo foi totalmente
aceito tanto pelos
atletas quanto pelo
público, porque era
necessário. Desde
então, a presença
das forças de segurança é algo de interesse das pessoas. Nunca acho ruim que haja
muita segurança nos aeroportos.
A segurança é para nós.
Folha - O COI não tem fonte pública de dinheiro. Mas muitas outras
partes do Movimento Olímpico
têm. É possível haver algum dia um
esporte 100% profissional?
Rogge - O que você quer dizer
com esporte profissional?
Folha - Atletas e confederações
pagos por seus próprios ganhos
com o esporte, sem dinheiro público, apenas privado. Por exemplo: o
Comitê Olímpico Brasileiro tem no
dinheiro público sua principal fonte de financiamento. Gustavo
Kuerten, o principal atleta olímpico do país, tem um banco público
como seu maior patrocinador. O
que fazer para que haja mais dinheiro privado no esporte?
Rogge - Acho que você está influenciado pelo aspecto brasileiro. Porque, nos esportes em geral,
90% do dinheiro vem do setor
privado. Se você olhar para os comitês olímpicos nacionais, pouquíssimos recebem apoio do governo. Talvez apenas 10% dos comitês olímpicos nacionais do
mundo tenham apoio do governo. Noventa por cento vivem do
apoio do Comitê Olímpico Internacional, com o que chamamos
de Solidariedade Olímpica, e os
recursos que eles próprios conseguem. Em relação aos comitês organizadores [de Jogos Olímpicos], eles levantam 85% de seus
dinheiro por meio de patrocinadores e de direitos de televisão.
Então, a maior parte dos comitês olímpicos nacionais, ao contrário do do Brasil, que é muito
privilegiado nesse ponto, não pode depender de apoio do governo.
Na maior parte da África, não há
governo que tenha dinheiro suficiente para dar ao esporte.
Folha - Por que o caso brasileiro é
diferente dos outros?
Rogge - Por uma decisão do seu
governo, e eu a aplaudo, porque
foi uma decisão muito boa.
Folha - Os documentos que o Rio
mandou ao COI dizem que a candidatura a 2012 é inteira bancada
por dinheiro público. Nova York
tem apenas fontes privadas. Londres, Paris, Madri e Moscou têm financiamento misto. Por que o Brasil é tão diferente?
Rogge - Você deveria perguntar
aos brasileiros. Eu não sei. Só sei
que há a diferença. A razão, eu
não posso explicar.
Folha - Há uma discussão no Brasil sobre permitir ou não a existência de bingos. Qual sua opinião sobre usar jogos de azar como fonte
de financiamento ao esporte?
Rogge - Não estou em posição
de responder. Não conheço o sistema. Pode ser de novo algo específico do Brasil. Mas você não vê
isso em outros países.
Folha - O sr. foi claramente cauteloso durante sua última visita a
Atenas em relação aos preparativos para os Jogos. Qual seu nível de
preocupação hoje?
Rogge - Não sou um homem
preocupado. Sou um homem focado. Mas eu pressionei para que
os gregos estejam prontos na época dos Jogos.
Folha - O sr. disse aos gregos para
se concentrarem em questões "vitais" na última fase de trabalho. Algumas pessoas argumentam que
Atenas se preocupou demais com
grandeza, tetos e mármore e se esqueceu de providenciar coisas básicas. Isso é correto?
Rogge - Não acho
que seja verdade.
Atenas não gastou
muito em mármore. Mármore é um
material comum
para construção na
Grécia, existe em
todo lugar. Não é
exótico para eles.
As construções que
foram feitas são
muito boas, mas
não demasiadamente luxuosas, tal
como deve ser.
Folha - O sr. apontou a segurança como o item mais importantes para as
candidatas aos Jogos de 2012. Isso
significa apenas terrorismo ou também
violência urbana?
Rogge - Segurança é muito mais
que terrorismo. É basicamente tudo o que afeta a segurança dos Jogos. Poderia ser a questão das
condições sanitárias, que você
não tenha envenenamento da comida. Claro, também a violência
urbana. Há ainda transporte, [o
fato de haver] boas instalações
que não vão ruir, a integridade do
sistema elétrico, porque sem eletricidade você fica sem muitas
coisas de segurança.
Folha - O sr. disse que é preciso levar os Jogos para a América do Sul
e para a África. Por outro lado, o sr.
apontou que seria uma grande dor-de-cabeça para o COI se os Jogos
deste ano tivessem ido para Buenos Aires. Como não há solução visível para os problemas financeiros
dessas regiões, o sr. crê que elas terão que esperar mais pelos Jogos?
Rogge - A estabilidade financeira é, claro, um dos elementos que
consideramos ao dar os Jogos. É
um dos aspectos importantes.
Mais do que isso, não posso elaborar, nós estamos estudando esses arquivos enviados pelos candidatos, e vamos julgar se consideramos que têm suficiente estabilidade financeira ou não.
Folha - O Qatar é o último de uma
série de países que querem importar atletas, pagando altas somas
para competirem sob suas bandeiras. Qual sua opinião sobre isso?
Rogge - Há naturalizações legítimas. Quando você muda para outro país para fazer sua vida lá, então a naturalização é totalmente
legítima. Por outro lado, se você é
um atleta que recebe uma oferta
grande de dólares e um passaporte, e você sabe que não vai viver
permanentemente naquele país,
então é errado. Nós não somos a
favor desse sistema que permite a
compra de atletas.
Folha - O sr. se diz contrário a convites para atletas irem aos Jogos...
Rogge - Não, essa é uma das coisas engraçadas que acontecem às
vezes. Não disse isso. Pelo contrário: eu inventei o sistema de convites, claro que sou a favor de convites. Porque eles trazem universalidade aos Jogos. Se tivéssemos
Jogos baseados apenas em qualidade, então alguns países não poderiam enviar atletas. O que eu digo é que, quando damos convites,
precisamos nos assegurar que os
atletas tenham qualidade decente
básica. O que disse é que nós não
queremos ter o exemplo do nadador de Sydney [Eric Moussambani], que teve dificuldade para acabar sua prova.
Folha - Mas o sr. não pensa que,
nas lembranças das pessoas, o caso
de Moussambani foi uma das grandes histórias de Sydney?
Rogge - Lamento, mas discordo.
Os Jogos são uma questão de qualidade, de mostrar habilidade e
bons atletas. Não têm relação com
um incidente cômico.
Folha - Muitos atletas de ponta
não estarão nos Jogos, como Lleyton Hewitt, no tênis, Beckham e
Ronaldo, no futebol, e os jogadores
americanos de beisebol. O que é
preciso para ter todos os melhores
nos Jogos?
Rogge - Se Ronaldo não estará, é
porque o seu time perdeu. É uma
lei normal do esporte. Para participar dos Jogos, você precisa passar
pelos jogos qualificatórios, e o Brasil
não pôde fazê-lo.
Não há ninguém a
culpar a não ser vocês mesmos.
Folha - Mas Ronaldo não podia jogar o
Pré-Olímpico...
Rogge - Se o seu time não foi bom para se classificar sem
Ronaldo, vocês têm
apenas que culpar a
vocês mesmos, não
o sistema. Em relação a outros atletas
que não vão participar, pior para eles.
O torneio de tênis
ainda vai ser um
grande torneio.
[Andy] Roddick estará lá, [Roger]
Federer estará lá, o número um e
o número dois do mundo. E eu espero que 15 ou 16 dos top 20 estejam lá. Se olhar os campeões passados dos Jogos, você tem vários
jogadores com prestígio. A qualidade está lá.
Texto Anterior: Futebol: Grêmio de Coari empata e ganha 1º turno no AM Próximo Texto: Perfil: Dirigente vai comandar sua 1ª Olimpíada Índice
|