São Paulo, segunda, 22 de março de 1999

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FUTEBOL
Assinado pelo presidente do clube, Amílcar Casado, documento nunca foi registrado pela Federação Paulista
Lusa contratou goleiro 'por fora'

do enviado a Itumbiara (GO)

Principal indício de que havia um esquema de manipulação de resultados no Paulista-98, o contrato entre o goleiro Nasser e a Lusa, que a Folha revela hoje, foi assinado e rescindido "por fora".
Segundo o próprio goleiro, o acordo jamais foi registrado na Federação Paulista de Futebol. Segundo o próprio Conselho Deliberativo, não há registro no clube.
O presidente da FPF, Eduardo José Farah, disse que também não tem conhecimento dele. "Esse é um assunto interno deles. Eu não vi nenhum documento."
Além de Nasser, assinam o contrato o presidente da Lusa, Amílcar Casado, o médico Júlio Cezar Lolla, que está no clube há mais sete anos e, como testemunhas, duas pessoas. Uma é o gerente de futebol do clube, Eraldo Luís da Silva, conhecido como Biro. A outra assinatura supostamente pertence a outra funcionária do clube.
O papel que foi usado é o documento-padrão da Confederação Brasileira de Futebol. Pela legislação em vigor na época, os contratos com jogadores de futebol tinham que ser expedidos pela entidade federal. O contrato em questão tem o número 266694 (veja quadro ao lado).
Segundo Nasser, o vice-presidente de futebol, Ilídio Lico, o procurou em abril por intermédio de um empresário para assinar contrato com o clube. De acordo com seu relato, ele foi recebido no dia 27 de abril no aeroporto de Guarulhos por um veículo do clube ("o mesmo que foi receber o Zagallo") e levado ao Lord Hotel, no centro da cidade de São Paulo. O Lord é o hotel que costuma hospedar a Lusa quando ela se concentra.
Quando houve o contato pessoal, no saguão do hotel, a primeira pergunta de Lico teria sido: "Quanto do dinheiro ficou para você?".
"Eu não entendi nada. Ele insistiu. Fiquei louco, reagi. Depois, ele reconheceu que eu não tinha nada com essa história", disse Nasser.
Segundo o goleiro, a partir da hora em que se convenceu de que Nasser era inocente, Lico recuou da intenção de fazer o contrato.
O goleiro disse que para conseguir o acordo ameaçou tornar público o escândalo. "Se ele tinha me chamado para assinar o contrato, eu exigi que fizesse. Quem não quer jogar num time grande?"
O contrato foi assinado em 1º de maio, dois meses após o "jogo da armação", entre Lusa e Santista.
O valor de R$ 12 mil mensais representa mais do que o dobro do que os R$ 5 mil que o goleiro recebia na Portuguesa Santista e mais do que seis vezes seu salário atual, R$ 1,8 mil, no Itumbiara.
"Eles me disseram que era para eu jogar. Eu contratei um treinador de goleiros e fiquei treinando três semanas em Brasília."
Mas, no dia 22, divulgaram-se as primeiras suspeitas envolvendo o caso, e, segundo o goleiro, Lico mandou dizer-lhe que ele não atuaria mais na Lusa.
Nasser afirmou que, ao receber a notícia de que Lico o procurara para assinar contrato, suspeitou. "Afinal, foi ele quem me mandou embora da Lusa, em 1992."
Lico, o único dirigente que admitiu ter mantido contato com Nasser, disse que não o procurou, mas que foi procurado pelo atleta -que lhe teria relatado que sabia de um suposto esquema envolvendo seu nome e lhe pedido "ajuda".
Lico disse que o clube queria um goleiro reserva, mas que, quando o escândalo se esboçou, recuou.
Nasser rebateu. "Como saberia?"
Ontem, Lico afirmou que não daria mais entrevistas por telefone à Folha, que, segundo ele, teria distorcido suas declarações.
O presidente do Conselho Deliberativo da Lusa, Carlos Alberto da Conceição Lima, confirma que nunca foi avisado do acerto com Nasser. "A diretoria sempre nos informa de todas as contratações."
A Folha procurou Amílcar Casado em sua casa e pelo seu celular, mas não o localizou até o fechamento desta edição. O presidente havia negado três vezes à Folha, na quarta-feira, a existência do documento. (MARCELO DAMATO)



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