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FUTEBOL
Edson ou Pelé?
JORGE KAJURU
COLUNISTA DA FOLHA
Minha paciência tem limites. Já não suporto mais
essa bobagem de separar Pelé do
Edson Arantes do Nascimento.
Não posso criticar Pelé argumentando que foi coisa do Edson.
Simplesmente porque Edson
Arantes do Nascimento, vulgo Pelé, é um ser só e único na arte de
jogar futebol. Nunca mais haverá
outro, nem sequer parecido.
Devo reafirmar que o meu sentimento de gratidão pelo Rei do
Futebol é dos mais marcantes. Há
seis anos sofria perseguição política em Goiás. Ela era implacável.
Tudo em nome de um jornalismo
investigativo (inédito em Estados
onde a imprensa se serve do povo
e serve aos governos) que a minha
ex-Rádio K exercia em mão dupla com ouvintes fiscalizadores.
Na época, o jornalista Juca
Kfouri fazia um talk-show na Rede CNT. Assistindo a uma entrevista em que relatava as dificuldades de se fazer imprensa livre,
eis que Pelé telefonou para Juca e
se apresentou disposto a colaborar. Seus depoimentos e aparições
ao meu lado deram sobrevida de
mais dois anos à emissora. Para
mim, Pelé é eterno em dose dupla.
Ser ou não ser?
Nesta semana vieram as esperadas declarações de Pelé sobre o
episódio Grafite. Convido o leitor
a dividir comigo a conclusão de
uma das respostas: "Eu cansei de
ser chamado de crioulo filho disso, filho daquilo. Já passei por coisas muito piores, mas nunca fui
expulso por revidar cusparada,
essas coisas. Ficava chateado,
mas respondia arrebentando o time adversário na bola. Não pode
deixar chegar a esse ponto. Daqui
a pouco a gente vai ver brasileiro
xingando argentino na rua e vice-versa. Foi bom ter acontecido isso,
serve de alerta. Mas isso não vai
acabar de uma hora para outra.
O importante é que as coisas acabem no campo", analisou Pelé.
Acionou a boca, não ligou o cérebro. Teria sido melhor, naquele
momento, se faltasse o som da voz
do entrevistado. Deixaria de ser
jornalista por um minuto e faria
uma leitura labial do que falou
Pelé: "Eu cansei de ser chamado
de crioulo filho disso, filho daquilo. Passei por coisas muito piores,
nunca fui expulso por revidar
quaisquer agressões, mas reagi.
Fui à luta e, pessoalmente, combati a discriminação racial no
mundo inteiro. Mostrei aos povos, especialmente na Argentina,
que, embora para Darwin o homem fosse uma evolução do macaco, tal expressão era agressiva e
poderia ser evitada. Liderei centenas de palestras com nossos jovens craques negros e, assim, pudemos evitar apelidos como Grafite, como também o que ocorreu
recentemente em Minas, quando
um jogador negro do América
xingou o também negro jogador
do Atlético de "macaco". E, por
fim, como atleta exemplo que fui,
devo dizer com orgulho que ainda tenho muito a fazer para comemorar meu mais importante
gol na vitória contra o racismo".
Ufa! Acabou o jogo... ops, o sonho.
Acordei. Felizmente, sou jornalista.
Conferência
"No Brasil, o importante não é
tanto a cor da pele, mas a posição social. As objeções são contra o jogador pobre, porque no
início do século 20 os clubes
dos respectivos times eram freqüentados pela elite burguesa
brasileira." Palavras do jornalista João Máximo, que se baseou na história contada por
Mário Filho no livro "O Negro
no Futebol Brasileiro", ao abordar o tema "A Pátria em Chuteiras: Identidade e Racismo no
País do Futebol".
Perguntar não ofende
Foi mesmo Grafite, ou teria sido o cartola Juvenal Juvêncio,
do São Paulo, quem teria descido ao vestiário e convencido o
atacante a se revoltar e formalizar denúncia contra o zagueiro
argentino Desábato?
E-mail: jorgekajuru@sbt.com.br
Jorge Kajuru é jornalista e apresentador do programa "Fora do Ar", no SBT
Excepcionalmente hoje não é publicada a coluna de Mário Magalhães
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