São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 2005

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FUTEBOL

Edson ou Pelé?

JORGE KAJURU
COLUNISTA DA FOLHA

Minha paciência tem limites. Já não suporto mais essa bobagem de separar Pelé do Edson Arantes do Nascimento. Não posso criticar Pelé argumentando que foi coisa do Edson. Simplesmente porque Edson Arantes do Nascimento, vulgo Pelé, é um ser só e único na arte de jogar futebol. Nunca mais haverá outro, nem sequer parecido.
Devo reafirmar que o meu sentimento de gratidão pelo Rei do Futebol é dos mais marcantes. Há seis anos sofria perseguição política em Goiás. Ela era implacável. Tudo em nome de um jornalismo investigativo (inédito em Estados onde a imprensa se serve do povo e serve aos governos) que a minha ex-Rádio K exercia em mão dupla com ouvintes fiscalizadores.
Na época, o jornalista Juca Kfouri fazia um talk-show na Rede CNT. Assistindo a uma entrevista em que relatava as dificuldades de se fazer imprensa livre, eis que Pelé telefonou para Juca e se apresentou disposto a colaborar. Seus depoimentos e aparições ao meu lado deram sobrevida de mais dois anos à emissora. Para mim, Pelé é eterno em dose dupla.

Ser ou não ser?
Nesta semana vieram as esperadas declarações de Pelé sobre o episódio Grafite. Convido o leitor a dividir comigo a conclusão de uma das respostas: "Eu cansei de ser chamado de crioulo filho disso, filho daquilo. Já passei por coisas muito piores, mas nunca fui expulso por revidar cusparada, essas coisas. Ficava chateado, mas respondia arrebentando o time adversário na bola. Não pode deixar chegar a esse ponto. Daqui a pouco a gente vai ver brasileiro xingando argentino na rua e vice-versa. Foi bom ter acontecido isso, serve de alerta. Mas isso não vai acabar de uma hora para outra. O importante é que as coisas acabem no campo", analisou Pelé.
Acionou a boca, não ligou o cérebro. Teria sido melhor, naquele momento, se faltasse o som da voz do entrevistado. Deixaria de ser jornalista por um minuto e faria uma leitura labial do que falou Pelé: "Eu cansei de ser chamado de crioulo filho disso, filho daquilo. Passei por coisas muito piores, nunca fui expulso por revidar quaisquer agressões, mas reagi. Fui à luta e, pessoalmente, combati a discriminação racial no mundo inteiro. Mostrei aos povos, especialmente na Argentina, que, embora para Darwin o homem fosse uma evolução do macaco, tal expressão era agressiva e poderia ser evitada. Liderei centenas de palestras com nossos jovens craques negros e, assim, pudemos evitar apelidos como Grafite, como também o que ocorreu recentemente em Minas, quando um jogador negro do América xingou o também negro jogador do Atlético de "macaco". E, por fim, como atleta exemplo que fui, devo dizer com orgulho que ainda tenho muito a fazer para comemorar meu mais importante gol na vitória contra o racismo". Ufa! Acabou o jogo... ops, o sonho. Acordei. Felizmente, sou jornalista.

Conferência
"No Brasil, o importante não é tanto a cor da pele, mas a posição social. As objeções são contra o jogador pobre, porque no início do século 20 os clubes dos respectivos times eram freqüentados pela elite burguesa brasileira." Palavras do jornalista João Máximo, que se baseou na história contada por Mário Filho no livro "O Negro no Futebol Brasileiro", ao abordar o tema "A Pátria em Chuteiras: Identidade e Racismo no País do Futebol".

Perguntar não ofende
Foi mesmo Grafite, ou teria sido o cartola Juvenal Juvêncio, do São Paulo, quem teria descido ao vestiário e convencido o atacante a se revoltar e formalizar denúncia contra o zagueiro argentino Desábato?


E-mail: jorgekajuru@sbt.com.br

Jorge Kajuru é jornalista e apresentador do programa "Fora do Ar", no SBT

Excepcionalmente hoje não é publicada a coluna de Mário Magalhães


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