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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003

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ANÁLISE

Lei foi feita para cartola, não para a arquibancada

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Um dia antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinar a nova legislação do esporte, a Globo foi obrigada a mostrar um corintiano espetado pelo traseiro em uma absurda grade no estádio do Morumbi.
A terrível imagem seria argumento suficiente para justificar o rigor de qualquer lei, das existentes às serem criadas. Assim como a tragédia de São Januário, a luta campal no Pacaembu, o gradil do Maracanã e os tantos episódios violentos que o futebol nacional já produziu.
Na cerimônia de assinatura, o tal torcedor, um taxista que teve o baço retirado, não foi lembrado. Lula preferiu pedir ajuda para fazer a lei emplacar. Errou o foco? Não, antecipou dificuldades. O Estatuto do Torcedor e a chamada MP79, versão um pouco mais ácida da Lei Pelé, não foram elaborados para ajudar o torcedor a torcer.
Foram feitos, ainda no governo anterior, para responsabilizar dirigentes por todo tipo de delito, seja ele fiscal, financeiro, esportivo ou até mesmo cível. A idéia, que moveu boa parte dos trabalhos das duas CPIs, é limpar o setor. Garantir direitos ao fã do esporte, que, aliás, já são garantidos por outras leis, é um meio de aumentar a vidraça da cartolagem, uma desculpa louvável.
Houve debate. Fóruns foram criados, entendidos e interessados foram ouvidos, e até um patético jogo-modelo, onde uma torcida organizada organizava as arquibancadas, foi realizado. A lei foi para o Congresso, passou nas duas Casas por acordo de lideranças -com pautas trancadas, virou escambo-, o governo sancionou, e o torcedor, de estalo, virou respeitado consumidor, com direitos e deveres, da noite para o dia. Bacana, não?
Sim, muito. Mas, como estádio de futebol não é lugar de bacana, clubes, federações e CBF resolveram parar o campeonato, estratégia tão radical quanto a utilizada contra eles pelos legisladores: usar o incauto torcedor e sua paixão.
Poucos serão os fãs que estarão pensando na importância do número de ambulâncias se seu time não entrar em campo no domingo. Ou a necessidade de receber um comprovante de ingresso. Ou que isso tudo pode salvar sua vida e/ou garantir que seu time não está sendo roubado nas bilheterias.
Torcedor não raciocina, pois, se o fizesse, não iria ao estádio ser tratado como gado. E quem raciocina (e derruba cada vez mais as rendas dos jogos) duvida seriamente daquela imagem da arquibancada mostrada na TV, gente feliz, pais e filhos, namorados, uma propaganda enganosa da atividade de torcer.
A do Morumbi violentou esse sonho. E provou que é apenas o do torcedor que está na reta.


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