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ANÁLISE
Lei foi feita para cartola, não para a arquibancada
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE
Um dia antes de o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva assinar a nova legislação do esporte, a Globo foi obrigada a mostrar um corintiano espetado
pelo traseiro em uma absurda
grade no estádio do Morumbi.
A terrível imagem seria argumento suficiente para justificar
o rigor de qualquer lei, das existentes às serem criadas. Assim
como a tragédia de São Januário, a luta campal no Pacaembu, o gradil do Maracanã e os tantos episódios violentos que
o futebol nacional já produziu.
Na cerimônia de assinatura, o
tal torcedor, um taxista que teve o baço retirado, não foi lembrado. Lula preferiu pedir ajuda para fazer a lei emplacar. Errou o foco? Não, antecipou dificuldades. O Estatuto do Torcedor e a chamada MP79, versão
um pouco mais ácida da Lei Pelé, não foram elaborados para
ajudar o torcedor a torcer.
Foram feitos, ainda no governo anterior, para responsabilizar dirigentes por todo tipo de
delito, seja ele fiscal, financeiro,
esportivo ou até mesmo cível.
A idéia, que moveu boa parte
dos trabalhos das duas CPIs, é
limpar o setor. Garantir direitos ao fã do esporte, que, aliás,
já são garantidos por outras
leis, é um meio de aumentar a
vidraça da cartolagem, uma
desculpa louvável.
Houve debate. Fóruns foram
criados, entendidos e interessados foram ouvidos, e até um
patético jogo-modelo, onde
uma torcida organizada organizava as arquibancadas, foi
realizado. A lei foi para o Congresso, passou nas duas Casas
por acordo de lideranças
-com pautas trancadas, virou
escambo-, o governo sancionou, e o torcedor, de estalo, virou respeitado consumidor,
com direitos e deveres, da noite
para o dia. Bacana, não?
Sim, muito. Mas, como estádio de futebol não é lugar de
bacana, clubes, federações e
CBF resolveram parar o campeonato, estratégia tão radical
quanto a utilizada contra eles
pelos legisladores: usar o incauto torcedor e sua paixão.
Poucos serão os fãs que estarão pensando na importância
do número de ambulâncias se
seu time não entrar em campo
no domingo. Ou a necessidade
de receber um comprovante de
ingresso. Ou que isso tudo pode salvar sua vida e/ou garantir
que seu time não está sendo
roubado nas bilheterias.
Torcedor não raciocina, pois,
se o fizesse, não iria ao estádio
ser tratado como gado. E quem
raciocina (e derruba cada vez
mais as rendas dos jogos) duvida seriamente daquela imagem
da arquibancada mostrada na
TV, gente feliz, pais e filhos, namorados, uma propaganda enganosa da atividade de torcer.
A do Morumbi violentou esse
sonho. E provou que é apenas o
do torcedor que está na reta.
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