São Paulo, sexta-feira, 22 de junho de 2007

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XICO SÁ

Só vingança, vingança, vingança

Um secador nato jamais será um patriota de araque. Não tolera os comentaristas de arbitragem e o tira-teima

A MIGO TORCEDOR , amigo secador, mesmo contra a minha vontade -no mundo de hoje ninguém manda mais sequer nos seus estimados bichos-, o corvo Edgar permaneceu em Porto Alegre até a fatídica final da Libertadores. Revoltado com a minha insistência em escrever que o Grêmio era o único time brasileiro à prova de agouros e vaticínios, a indesejada das aves fincou pé e resolveu testar olimpicamente seus poderes às margens nada plácidas do Guaíba.
No jogo de Buenos Aires, Edgar ficou na sua, fugiu dos tricolores que tentavam entorpecê-lo de lendas, vinhos e superstições, e escutou a partida ao longe, captando apenas o que o vento frio trazia de um fanhoso radinho de pilha de seu Venâncio, um porteiro colorado em plena avenida Azenha. Aranha. O corvo prefere o rádio e evita, como pode, as transmissões da Globo, pois não suporta essa história de que o Grêmio, ou seja lá que time for, é Brasil. Um secador nato jamais será um patriota de araque. Não tolera também os comentaristas de arbitragem e a imbecilidade do tira-teima.
Findo o jogo de ida, el cuervo já hablava um autêntico castelhano selvagem e, de carona com o escriba Marcelo Ferla, rumou para o Ocidente, clássica taberna das pradarias noturnas do Bom Fim, onde grasnou um velho tango, o mais trágico, aquele que diz mais ou menos assim, aumente o volume, amigo, e curta comigo sua fossa ludopédica ao som de "Esta noche me emborracho".
No balcão, Jimi Joe e Wander Wildner faziam novos refrões. Mas, a pedido de uma moça linda e triste que parecia saída de um filme de Jim Jamursch, eles mandaram outra: "Não vou me iludir, dizendo que foi bom/ Não foi legal pra mim, talvez pior pra ti..." E assim Edgar, que chegara a Porto Alegre ainda para o embate Grêmio x Santos, divertia-se, embora os 3 a 0 da Bombonera tenham deixado as coisas fáceis demais para a noite de gala. Menos para os devotos tricolores, imortais de joelhos sempre ralados em tantas olas e promessas.
"Uma pena que nem precisei gastar tanto as minhas fuerzas", me diz agora, ainda morto da viagem de volta e com um miserável portunhol na bagagem, o desalmado corvo. Para completar o quadro, repete a todo instante a narração do gol de Riquelme, imitando o locutor da rádio Rivadavia de Buenos Aires. Tento contar-lhe as novidades, mostro a foto da bandeirinha Ana Paula Oliveira ainda vestida e peço o seu palpite sobre a futura nudez nas páginas de "Playboy"... O bicho nem se altera, nem aí para dadivosa moça. Falo da disparada do Botafogo, necas, o agourento nem se move, nem se mexe, embora eu lhe mostre, com a tabela na mão, meu planejamento de secador para o Brasileiro.
O traste simplesmente ignora, só fala do time do Maradona, agora ouvindo Lupicínio Rodrigues nas alturas, para a infelicidade dos vizinhos: "Mas enquanto houver força em meu peito/ Eu não quero mais nada/ Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar/ Você há de rolar como as pedras/ Que rolam na estrada/ Sem ter nunca um cantinho de seu/ Pra poder descansar". Estava morrendo de saudade desse mal-assombro. Mas juro, se continuar assim, mando a praga embora de casa. Quem se habilita a criá-lo?

xico.folha@uol.com.br


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