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XICO SÁ
Só vingança, vingança, vingança
Um secador nato jamais será um patriota de araque. Não tolera os comentaristas de arbitragem e o tira-teima
A
MIGO TORCEDOR , amigo secador, mesmo contra a minha
vontade -no mundo de hoje
ninguém manda mais sequer nos
seus estimados bichos-, o corvo Edgar permaneceu em Porto Alegre até
a fatídica final da Libertadores. Revoltado com a minha insistência em
escrever que o Grêmio era o único time brasileiro à prova de agouros e
vaticínios, a indesejada das aves fincou pé e resolveu testar olimpicamente seus poderes às margens nada plácidas do Guaíba.
No jogo de Buenos Aires, Edgar ficou na sua, fugiu dos tricolores que
tentavam entorpecê-lo de lendas, vinhos e superstições, e escutou a partida ao longe, captando apenas o que
o vento frio trazia de um fanhoso radinho de pilha de seu Venâncio, um
porteiro colorado em plena avenida
Azenha. Aranha. O corvo prefere o
rádio e evita, como pode, as transmissões da Globo, pois não suporta
essa história de que o Grêmio, ou seja lá que time for, é Brasil. Um secador nato jamais será um patriota de
araque. Não tolera também os comentaristas de arbitragem e a imbecilidade do tira-teima.
Findo o jogo de ida, el cuervo já
hablava um autêntico castelhano
selvagem e, de carona com o escriba
Marcelo Ferla, rumou para o Ocidente, clássica taberna das pradarias
noturnas do Bom Fim, onde grasnou um velho tango, o mais trágico,
aquele que diz mais ou menos assim,
aumente o volume, amigo, e curta
comigo sua fossa ludopédica ao som
de "Esta noche me emborracho".
No balcão, Jimi Joe e Wander
Wildner faziam novos refrões. Mas,
a pedido de uma moça linda e triste
que parecia saída de um filme de
Jim Jamursch, eles mandaram outra: "Não vou me iludir, dizendo que
foi bom/ Não foi legal pra mim, talvez pior pra ti..."
E assim Edgar, que chegara a Porto Alegre ainda para o embate Grêmio x Santos, divertia-se, embora os
3 a 0 da Bombonera tenham deixado
as coisas fáceis demais para a noite
de gala. Menos para os devotos tricolores, imortais de joelhos sempre
ralados em tantas olas e promessas.
"Uma pena que nem precisei gastar tanto as minhas fuerzas", me diz
agora, ainda morto da viagem de volta e com um miserável portunhol na
bagagem, o desalmado corvo. Para
completar o quadro, repete a todo
instante a narração do gol de Riquelme, imitando o locutor da rádio Rivadavia de Buenos Aires.
Tento contar-lhe as novidades,
mostro a foto da bandeirinha Ana
Paula Oliveira ainda vestida e peço o
seu palpite sobre a futura nudez nas
páginas de "Playboy"... O bicho nem
se altera, nem aí para dadivosa moça. Falo da disparada do Botafogo,
necas, o agourento nem se move,
nem se mexe, embora eu lhe mostre,
com a tabela na mão, meu planejamento de secador para o Brasileiro.
O traste simplesmente ignora, só
fala do time do Maradona, agora ouvindo Lupicínio Rodrigues nas alturas, para a infelicidade dos vizinhos:
"Mas enquanto houver força em
meu peito/ Eu não quero mais nada/ Só vingança, vingança, vingança
aos santos clamar/ Você há de rolar
como as pedras/ Que rolam na estrada/ Sem ter nunca um cantinho
de seu/ Pra poder descansar".
Estava morrendo de saudade desse mal-assombro. Mas juro, se continuar assim, mando a praga embora
de casa. Quem se habilita a criá-lo?
xico.folha@uol.com.br
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