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SONINHA
Uma ciência exata?
Os números não mentem, mas também não provam nada. Além disso, eles podem confundir um bocado
O
TIME da casa marcou quatro
gols, três dos quais foram belíssimos. Quem só assistiu à
partida de domingo contra o Juventude pode ter pensado: "Esse ataque
do Fortaleza é um espetáculo!". Não
é -é o segundo pior, só perdendo
para o Flamengo (um tem 19, o outro tem 15 gols marcados).
O artilheiro do Fortaleza, Finazzi,
fez quatro gols no campeonato todo;
o artilheiro do torneio, Dodô, tem só
nove gols -não joga há cinco semanas e, a menos que mude de idéia
mais uma vez nessa sua vida cigana,
não fará mais gol aqui neste ano, já
que está nos Emirados Árabes.
A tabela de artilheiros inclui um
goleiro que já se acostumou a superar as marcas de vários jogadores de
linha. Aliás, acaba de superar o número de gols marcados por qualquer
outro goleiro no mundo. Na função
que de fato lhe cabe, também é destaque -anteontem mesmo fez defesas espetaculares. (Assim como o
goleiro adversário, com muito menos tempo de carreira do que ele e já
convocado, com méritos, para a seleção. O goleiro recordista teve algumas chances de jogar pelo Brasil,
mas nunca teve tanto destaque lá).
Rogério Ceni tem quatro gols feitos. Abaixo dele, um atacante com
números decepcionantes: em dez
jogos pelo Brasileiro, só marcou três
gols. Como um time que almeja o título pode confiar num jogador com
tão baixo aproveitamento? Mas esse
atacante é aquele que fez dois gols
no jogo de ida na final da Libertadores, na casa do rival, tendo participação decisiva na conquista da taça.
A média de gols deste Brasileiro é
a pior dos últimos 11 anos. Culpa dos
esquemas táticos cautelosos ou covardes, dirão alguns. Falta qualidade
aos atacantes, dirão outros. Os mais
otimistas podem até dizer que as defesas têm funcionado muito bem,
como a da Itália campeã (de uma
Copa magra de gols...). Há exagero
nas três explicações (se é que alguém recorre à última) e outros elementos a serem considerados -até
acidentes como o que afastou Nilmar dos gramados.
O fato de ninguém disparar na artilharia pode ser conseqüência de
ataques mais solidários, em que um
atleta não detém sozinho a responsabilidade de fazer gols. O Paraná,
por exemplo, atual segundo colocado (com um jogo a menos do que a
maioria, como efeito colateral da Libertadores), ostenta o melhor ataque (31 gols) e não tem um grande
goleador. O Figueirense, em sétimo
e dono do quinto melhor ataque, vê
três atletas entre os sete que mais
marcaram: Cícero (oito) e Soares e
Schwenck (sete gols cada um).
Os números magros também podem se basear, em parte, no fato de
haver tantas mudanças nos times.
Além do artilheiro do campeonato,
vários outros jogadores foram embora e alguns estão prestes a deixar o
país, como o próprio Rafael Sobis, citado acima. Outros chegam na metade da competição e, mesmo que
não demorem para se acertar com
os novos times, ficam para trás na
disputa pela artilharia.
A necessidade permanente de
reorganização das equipes também
ajuda a explicar a escassez coletiva.
A intensa migração, característica
de um mundo tão desigual -e assunto da moda- é um dos fatores
que interferem no futebol. Já nos
acostumamos a ver o campeonato
dividido em AJ e DJ -antes e depois
da janela de contratações na Europa. O incrível é que o movimento de
profissionais é, ao mesmo tempo, sinal da qualidade dos jogadores e dos
problemas de nossa gestão, incapaz
de fazer frente à sedução do mercado externo -incluindo praças que
jamais deveriam ser mais atraentes
do que o Brasil, como Coréias e
Ucrânias.
Com todos esses dados negativos
e complexos, o Campeonato Brasileiro, quem diria, continua sendo
um torneio muito interessante (eu
adoro). Nós somos um fenômeno.
soninha.folha@uol.com.br
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