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São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

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FUTEBOL

Gênese e metamorfose

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Neste ano de 2003, talvez pela profusão de novos talentos, talvez pela saudável provocação lançada por Armando Nogueira, debateu-se muito, na imprensa e nas mesas de bar, o tema do craque. Quem é craque? O que é preciso para ser craque? Qual é a diferença entre o craque e o jogador excelente?
Cada uma dessas perguntas basta para motivar uma discussão interminável.
Mas a questão que mais me intriga é como surge um craque. Aliás, para não desviar o foco, deixemos de lado a palavra craque. Como desponta, como se forma, como floresce um grande jogador?
Claro que não há uma resposta única. Existem aqueles que, logo nos primeiros chutes, já mostram que serão grandes, desde que não ocorram acidentes de percurso.
Alguém que tenha visto as imagens do pequeno Maradona fazendo embaixadas, ou do pirralho Ronaldinho Gaúcho jogando futsal, sabe muito bem do que estou falando.
Mas existem também os jogadores que demoram para engrenar, para se entender com a bola, para encontrar o lugar no campo.
Às vezes é muito fina a linha que separa o destino de um artilheiro do de um empacotador de mercado (penso em Liedson) ou de um assaltante (penso em Dadá Maravilha).
Conheci de perto exemplos das duas trajetórias: a do craque que "nasce pronto" e a do jogador que se aprimora por força de muito empenho. Tive a sorte de jogar bola com dois garotos da minha geração que depois se tornariam profissionais destacados: Muricy Ramalho e Zé Sérgio.
Conheci o primeiro aos 11 ou 12 anos, jogando no campeonato interno do São Paulo, onde éramos sócios. Muricy já era famoso no clube, com o apelido de Mojica. Na primeira vez que o vi atuar, ele deu bicicleta, fez gol de cabeça e por cobertura. Tudo isso sem nenhuma máscara. Concentrava as energias em jogar bem e vencer. Pensei: nunca vou jogar como esse cara.
Com Zé Sérgio ocorreu quase o contrário. Jogávamos na seleção do colégio público onde estudávamos, mas ele não era nem de longe o craque do time. Havia três ou quatro mais valorizados que ele.
Franzino, Zé Sérgio parecia-nos firuleiro e pouco produtivo. Nós o olhávamos de cima. Sua fama vinha mais do fato de ser, segundo se dizia, "primo do Rivellino".
Tudo mudou quando ele tinha uns 16 anos e foi treinar no São Paulo. Em poucos meses, ganhou massa muscular, velocidade, técnica e personalidade. Parecia outra pessoa. Destro, foi jogar na esquerda e acabou se tornando um dos pontas mais endiabrados do futebol brasileiro.
Ambos se encontraram no São Paulo em meados dos anos 70. Castigado por contusões, o craque anunciado Muricy acabou não rendendo todo o seu potencial.
O "primo do Rivellino" teve mais sorte: chegou à seleção e foi considerado um dos melhores jogadores do país.
Este mundo é mesmo uma caixinha de surpresas.

Caros amigos
Antes que eu me esqueça, quero desejar Feliz Natal a todos os leitores que me aturaram ao longo de mais um ano, sobretudo àqueles que contribuíram para esta coluna com críticas, informações, sugestões... e carinho também, é claro, pois já disse o poeta que "sem um carinho, ninguém segura esse rojão".

Para ler nas férias
E por falar em Natal, um presente indicado para dar a qualquer amigo -secreto ou conhecido, oculto ou manifesto, invisível ou visível- é "Meninos, Eu Vi" (DBA/Lance), de Juca Kfouri. Ninguém deixará de se deliciar com as histórias rememoradas nesse pequeno grande livro com humor, paixão e elegância por um craque do jornalismo.

E-mail: jgcouto@uol.com.br


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