São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

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FUTEBOL

Livres para relaxar nas viagens, times vêem "Gladiador", riem de Jim Carrey e quebram a tensão com "pegadinhas"

Ônibus expõe manias e vícios dos boleiros

DO ENVIADO A JUNDIAÍ E ITU

Missão da viagem: desanuviar.
Comentários sobre jogos, adversários, atuações ou resultados cessam no momento em que o motorista dá a partida e o ônibus começa a engolir a estrada.
É unanimidade entre as equipes da primeira divisão do Paulista que o caminho até o palco dos confrontos serve apenas para o divertimento de toda a trupe.
"Eles já trabalham a semana inteira. Seria exagero discutir tática ou obrigá-los a pensar em futebol. Na rodovia, é bom deixá-los bastante soltos", explica o técnico do Ituano, Leandro Campos.
Com carta branca dos dirigentes, os boleiros se soltam e revelam idiossincrasias comuns da classe. A primeira surge com o entretenimento favorito das viagens: sessões de filme.
Antes ou depois dos jogos, só dois gêneros agradam os atletas: comédia ou ação. Levantamento informal feito pela Folha com os clubes encontrou a película mais comentada: é "Gladiador" (2000), épico dirigido por Ridley Scott. "Lembro que o time todo ficou alucinado no ônibus. A tensão era tanta que alguns até aplaudiram as cenas", conta Moisés Cândido, supervisor de futebol do Paulista.
Há atores que são garantia de audiência. Fitas com os golpes de Steven Seagal ou com as caretas de Jim Carrey, por exemplo, já passaram pela tela das 20 equipes.
Os treinadores não costumam intervir na opção cinematográfica dos jogadores. Em situações extraordinárias, contudo, podem usar artimanhas que alteram o humor de seus comandados.
Quem costuma tomar uma atitude inusitada é Roberto Cavalo, que chefia a União Barbarense em campo. Se percebe que seus pupilos estão tristes ou aflitos durante a competição, lança mão de um recurso que define como "risada garantida" dentro do ônibus .
Trata-se de uma compilação das "Pegadinhas do Faustão". "Eu chego de mansinho e coloco a fita sem avisar. De repente, todos estão gargalhando na poltrona. O ambiente melhora, e as nossas chances de vencer, também", diz.
Já Zetti, do São Caetano, prefere usar a televisão para adiantar seu expediente. Quando percebe que não terá tempo para apresentar um videoteipe da equipe rival na palestra que faz no dia do duelo, exibe o compacto durante o deslocamento de seu time.
Em alguns trajetos, contudo, não existe tempo para filmes. Nos percursos com menos de 200 km, a TV fica desligada. O foco, então, vai para o aparelho de som.
No quesito áudio também não existe grande discordância. Música sertaneja e pagode são sempre os mais requisitados -os "atletas de Cristo" preferem música gospel em aparelhos portáteis.
Se surge uma discussão, ela acaba quando um CD de Zeca Pagodinho, o compositor predileto dos jogadores, é lançado na roda.
Essa preocupação exacerbada com o deleite a bordo some nas divisões inferiores do Estadual.
Bem longe da pompa dos times de elite, os membros das Séries A-2, A-3 e B cumprem peregrinações que lembram o anedotário da várzea. Para eles, entretenimento no ônibus é um luxo distante. O único intuito que têm ao viajar é atingir o destino sem encarar percalços pelo caminho.
É o que Arthur de Souza, presidente da Associação Atlética Itararé, pede em suas preces. Seu time disputará a terceira divisão estadual com um veículo emprestado pela prefeitura da cidade, a 333 km de São Paulo. Acessórios para dar conforto? "Tudo o que temos são cortinas nas janelas. E não posso reclamar", diz Souza.
No começo do mês, a equipe agendou um amistoso no litoral de São Paulo. Precisava percorrer quase 400 km, mas o motor do ônibus ano 1979 falhou a menos de uma hora do destino final.
Resultado: esparramados no acostamento, os atletas jogaram cartas e cantarolaram por oito horas até serem resgatados. Era tudo o que podiam fazer para desanuviar. (GUILHERME ROSEGUINI)


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