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FUTEBOL
Livres para relaxar nas viagens, times vêem "Gladiador", riem de Jim Carrey e quebram a tensão com "pegadinhas"
Ônibus expõe manias e vícios dos boleiros
DO ENVIADO A JUNDIAÍ E ITU
Missão da viagem: desanuviar.
Comentários sobre jogos, adversários, atuações ou resultados
cessam no momento em que o
motorista dá a partida e o ônibus
começa a engolir a estrada.
É unanimidade entre as equipes
da primeira divisão do Paulista
que o caminho até o palco dos
confrontos serve apenas para o
divertimento de toda a trupe.
"Eles já trabalham a semana inteira. Seria exagero discutir tática
ou obrigá-los a pensar em futebol.
Na rodovia, é bom deixá-los bastante soltos", explica o técnico do
Ituano, Leandro Campos.
Com carta branca dos dirigentes, os boleiros se soltam e revelam idiossincrasias comuns da
classe. A primeira surge com o entretenimento favorito das viagens: sessões de filme.
Antes ou depois dos jogos, só
dois gêneros agradam os atletas:
comédia ou ação. Levantamento
informal feito pela Folha com os
clubes encontrou a película mais
comentada: é "Gladiador" (2000),
épico dirigido por Ridley Scott.
"Lembro que o time todo ficou
alucinado no ônibus. A tensão era
tanta que alguns até aplaudiram
as cenas", conta Moisés Cândido,
supervisor de futebol do Paulista.
Há atores que são garantia de
audiência. Fitas com os golpes de
Steven Seagal ou com as caretas
de Jim Carrey, por exemplo, já
passaram pela tela das 20 equipes.
Os treinadores não costumam
intervir na opção cinematográfica
dos jogadores. Em situações extraordinárias, contudo, podem
usar artimanhas que alteram o
humor de seus comandados.
Quem costuma tomar uma atitude inusitada é Roberto Cavalo,
que chefia a União Barbarense em
campo. Se percebe que seus pupilos estão tristes ou aflitos durante
a competição, lança mão de um
recurso que define como "risada
garantida" dentro do ônibus .
Trata-se de uma compilação das
"Pegadinhas do Faustão". "Eu
chego de mansinho e coloco a fita
sem avisar. De repente, todos estão gargalhando na poltrona. O
ambiente melhora, e as nossas
chances de vencer, também", diz.
Já Zetti, do São Caetano, prefere
usar a televisão para adiantar seu
expediente. Quando percebe que
não terá tempo para apresentar
um videoteipe da equipe rival na
palestra que faz no dia do duelo,
exibe o compacto durante o deslocamento de seu time.
Em alguns trajetos, contudo,
não existe tempo para filmes. Nos
percursos com menos de 200 km,
a TV fica desligada. O foco, então,
vai para o aparelho de som.
No quesito áudio também não
existe grande discordância. Música sertaneja e pagode são sempre
os mais requisitados -os "atletas
de Cristo" preferem música gospel em aparelhos portáteis.
Se surge uma discussão, ela acaba quando um CD de Zeca Pagodinho, o compositor predileto dos
jogadores, é lançado na roda.
Essa preocupação exacerbada
com o deleite a bordo some nas
divisões inferiores do Estadual.
Bem longe da pompa dos times
de elite, os membros das Séries A-2, A-3 e B cumprem peregrinações que lembram o anedotário
da várzea. Para eles, entretenimento no ônibus é um luxo distante. O único intuito que têm ao
viajar é atingir o destino sem encarar percalços pelo caminho.
É o que Arthur de Souza, presidente da Associação Atlética Itararé, pede em suas preces. Seu time disputará a terceira divisão estadual com um veículo emprestado pela prefeitura da cidade, a 333
km de São Paulo. Acessórios para
dar conforto? "Tudo o que temos
são cortinas nas janelas. E não
posso reclamar", diz Souza.
No começo do mês, a equipe
agendou um amistoso no litoral
de São Paulo. Precisava percorrer
quase 400 km, mas o motor do
ônibus ano 1979 falhou a menos
de uma hora do destino final.
Resultado: esparramados no
acostamento, os atletas jogaram
cartas e cantarolaram por oito horas até serem resgatados. Era tudo
o que podiam fazer para desanuviar.
(GUILHERME ROSEGUINI)
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