São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2007

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SONINHA

O comércio ambulante do futebol


Quando o mercado formal apresenta problemas, o mercado "alternativo" ganha muito terreno (e gramado)


O TEMA ESTÁ presente durante todo o ano, mas fica mais palpitante durante a Copa São Paulo e a temporada de campeonatos estaduais: a existência de times de aluguel, times de empresários, equipes formadas exclusivamente para disputar uma competição de tiro curto e vender jogadores. Algumas tomam emprestado um nome tradicional, outras "representam" uma cidade, outras recebem um nome fresquinho. Não é à toa que a Copinha é chamada, na melhor das hipóteses, de "vitrine" e, na pior, de "balcão de negócios".
A condenação a esses times, perecíveis por natureza, é unânime. Não importa a qualidade que a equipe porventura apresente -ela não é de fato uma equipe, mas uma reunião ocasional, uma casualidade, um "evento". A finalidade é se desmanchar, não se aperfeiçoar e se tornar cada vez mais competitiva.
Os empresários por trás delas são os malfeitores, pessoas que atuam contra o interesse do futebol, do qual pretendem tirar proveito sem pensar no futuro. Do outro lado do balcão, os tubarões que vêm aqui arrancar nossos jogadores cada vez mais cedo, sugar sua energia e dilapidar nosso patrimônio. É consenso. Bem... Vou praticar meu (outro) esporte favorito, o jogo do advogado do diabo.
A existência de times de ocasião é resultado ou, melhor dizendo, efeito colateral das condições em que opera o mercado do futebol no Brasil. Mais ou menos como a existência de camelôs vendendo muamba da China é, em grande parte, decorrência da nossa política econômica (simplificando muito -e guardando "as devidas proporções", como de praxe). Se o sujeito não consegue emprego formal ou ocupação minimamente estável, ele se vira do jeito que dá.
Vende guarda-chuva, io-iô luminoso, salgadinho, tênis, DVD "caseiro". Há tipos diversos de empreendedorismo e graus variados de ilicitude. Entre contrabandos, produtos roubados, artesanatos, piratarias e varejos, os "comerciantes" se viram. Há freguesia para tudo... Alguns são tão bem-sucedidos que não se interessariam por outro tipo de trabalho. Esse mercado informal sustenta alguns, mas traz prejuízos a muitos.
Sem recolher impostos e taxas, sem contribuir para a Previdência, oferece concorrência desleal aos regularmente estabelecidos e onera o poder público. Sim, todos têm motivos para reclamar do retorno obtido pelos impostos; o serviço oferecido tem ilhas de excelência e oceanos de precariedade. Mas, com a queda na arrecadação, a tendência é piorar... E todos continuam tendo direito à saúde, à educação etc., mesmo que atuem no "mercado paralelo" e contribuam menos do que deveriam.
Pois bem: o jovem candidato a jogador ou o veterano sem perspectivas tem mil motivos para jogar um torneio pelo time de um empresário -e sonhar ser negociado para um time de verdade, aqui ou na China. Ele é, como o camelô, apontado ao mesmo tempo como vítima e vilão no mercado do futebol, por sua ingenuidade ou ambição irresponsável -ambas levam ao mau caminho e fazem mal a ele e ao futebol do país.
Sobre o empresário, não há meio-termo: é sempre o predador. Mas, se alguns só podem ser definidos assim, outros merecem um juízo um pouco mais cuidadoso. Investem em estrutura, salários e formação. Criam um time onde não haveria nada. Disputam um campeonato com quem estaria desempregado.
Isso é bom para o futebol? Não. Precisamos de equipes estáveis, de trabalhos desenvolvidos a médio prazo, de times que tenham como meta existir, e não se desfazer. Mas os camelôs da bola estão aí porque o mercado formal do futebol precisa crescer e se estabelecer de modo bem diferente, com mais e melhores chances para todos. Enquanto isso, teremos feira... e fim de feira.

soninha.folha@uol.com.br


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