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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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ADMINISTRAÇÃO

Com medo da guerra entre facções, moradores abandonam projeto da prefeitura no complexo da Maré

Tráfico assombra centro olímpico no Rio

MARIO HUGO MONKEN
SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

A guerra do tráfico entre facções rivais no Rio obrigou centenas de crianças a abandonar a Vila Olímpica da Maré (zona norte), o segundo maior centro esportivo da cidade financiado pela prefeitura.
Localizada em um terreno de 80 mil metros quadrados de frente para as favelas Nova Holanda e Baixa do Sapateiro, a vila fica no meio do conflito entre os traficantes do CV (Comando Vermelho) e do TC (Terceiro Comando), facções criminosas que disputam o controle do comércio de drogas no complexo da Maré.
Parte da vila olímpica fica na Nova Holanda, comandada pelo CV. Parte fica na Baixa do Sapateiro, dominada pelo TC. A Maré é a maior favela do Rio, à frente até da Rocinha, segundo o IBGE.
Dos 11 mil inscritos (crianças, adolescentes e idosos) na vila olímpica, cerca de 15%, segundo estimativa dos administradores, não a frequentam por causa da guerra entre os traficantes. O centro conta com escolinhas de 20 modalidades (futebol, vôlei, basquete e natação, entre outros).
"Nos últimos meses houve um recrudescimento da violência fora da vila olímpica. Isso fez com que aumentasse o receio com a ida das pessoas ao local, mas já estamos tentando reverter esse quadro", disse o secretário de Esportes do município do Rio, Ruy Cezar.
Para tentar atrair as crianças de novo para a vila, o secretário preferiu ignorar a polícia e vai ""negociar" com as crianças nas escolas.
"Estamos voltando a falar com as escolas, único mecanismo que temos. Não posso colocar a polícia. Se fizer isso, acabo com a vila olímpica. A credibilidade de um território de paz e segurança desaparece no momento em que colocar homens armados dentro."
Apesar de a prefeitura admitir o problema, dificilmente um morador fala sobre o assunto, por temer represálias de traficantes.
O máximo que um dos pais ouvidos pela Folha disse foi que seu filho de sete anos abandonou a vila olímpica "por ter medo de voltar lá", depois de fazer a primeira aula. "Ele descobriu que havia também crianças de outras favelas e ficou com medo de ser agredido. Nada aconteceu, mas ele já ouviu muitas histórias de brigas."
Outros pais dizem que proíbem os filhos de ir à vila por temer uma retaliação de traficantes, caso seus filhos cruzem "o muro invisível". Líderes comunitários também confirmam o temor das crianças das favelas e de seus parentes.
A vila olímpica tem suas paredes pichadas por iniciais das facções do CV, do TC e até do PCC (Primeiro Comando da Capital), organização criminosa de São Paulo. Quando há tiroteios, as crianças correm para dentro do ginásio, onde se protegem.
O portão principal da vila fica quase na divisa entre as favelas. Com medo dos disparos, os frequentadores do centro esportivo preferem atravessar por dentro da vila olímpica a linha imaginária que separa as comunidades. "Eles se sentem mais seguros, não gostam de passar pela rua", disse Amaro Domingues, presidente da ONG que administra o local.


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