São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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TOSTÃO

Fair play dos violentos


Assistir a um jogo de futebol é uma aula prática sobre a agressividade, as contradições e a estupidez do ser humano


EESPERO QUE as partidas deste final de semana em todo o Brasil não sejam como as do anterior, quando houve cotovelada, joelhada, muitas trombadas, botinadas, empurrões e outras delicadezas. Aconteceu até de jogadores simularem contusões para acabar com o jogo.
Foi uma aula, uma demonstração de agressividade, violência, ambição e estupidez humana.
E ainda há muita gente que acha o futebol e os esportes de alto rendimento uma boa oportunidade para aprender, e desenvolver, os valores éticos e humanos.
Quando o grande filósofo Albert Camus disse que aprendera mais os valores humanos no futebol, jogando de goleiro, falava de sua experiência pessoal, e não da realidade.
Como escrevi no último domingo, no passado havia menos faltas violentas, mas era tão ou mais comum a deslealdade e a utilização de espertezas legais e ilegais para levar vantagens, já que não existiam exames antidoping, mil câmeras de televisão. Eram poucas punições, e a sociedade tolerava mais as agressões e os atos politicamente incorretos. O ser humano era o mesmo de hoje.
Se, no cotidiano, o ser humano não consegue controlar a sua agressividade e seus desejos de ser mais esperto que a esperteza, imagine em um jogo de futebol, com o atleta pressionado por todos os lados, instável emocionalmente e precisando decidir, em uma fração de segundos, se dá um pontapé ou se tira o pé. Isso atenua, porém não o livra da punição.
Até o fair play, como jogar a bola para fora quando um jogador está machucado e no chão, deixou de ser um gesto espontâneo, solidário e humano, para ser, muitas vezes, um ato obrigatório, burocrático, repetitivo, que parece fazer parte da regra. Quem faz costuma ficar contrariado. Mesmo os jogadores violentos praticam o fair play.
A punição é uma das maneiras de diminuir a violência.
Por isso, sou a favor do uso de imagens pelos tribunais esportivos, desde que sejam lances muito especiais, como a agressão do atacante Kléber, do Palmeiras, ao zagueiro André Dias, do São Paulo.
Da mesma forma, os recursos eletrônicos só deveriam ser utilizados em raríssimos momentos, como para saber se uma bola entrou ou não dentro do gol.
As TVs, especialmente a Globo, que tem a maior parte da audiência e influencia atletas e torcedores, poderiam colaborar na diminuição da violência, se tratassem o jogo mais como um evento esportivo e jornalístico e menos como um show, um espetáculo de entretenimento. O narrador Galvão Bueno deixaria de ser também um animador de auditório.
A violência só vai diminuir se técnicos, jogadores, imprensa, dirigentes e torcedores tiverem compromissos também com a qualidade do espetáculo, e não apenas com o resultado.
Não é utopia.
Se isso acontecesse, todos ganhariam. Haveria mais público nos estádios, mais interesse da sociedade e mais prazer em assistir às partidas, o que já justificaria.
Entendo a pressão que sofrem os treinadores para vencer e garantir o emprego, mas o olhar de um comentarista, de um crítico, não pode ser o mesmo de um técnico.


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