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São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 2003

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Sueca torna-se a primeira mulher em quase 6 décadas a confrontar nata masculina do golfe

Presença de Annika

David J. Phillip/Associated Press
Diante de aplausos do público, Annika Sorenstam observa tacada no Colonial Classic, ontem


LUÍS CURRO
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE

Uma pacata sueca está sendo desde ontem o foco de atenção no cenário internacional esportivo.
Número um no ranking mundial feminino do golfe, Annika Sorenstam, 32, iniciou sua participação no Colonial Classic, torneio em Forth Worth, no Texas, tornando-se a primeira mulher em 58 anos a se "intrometer" no calendário masculino da PGA (Associação dos Golfistas Profissionais), fato que tem suscitado polêmica nos bastidores do esporte e extensiva cobertura da mídia, especialmente a dos EUA.
A última mulher a desafiar homens em um evento do PGA Tour, 58 anos atrás, em Los Angeles, foi a americana Babe Didrikson Zaharias, uma multiatleta que se destacou no basquete, no tênis, no vôlei, na natação, no beisebol, no golfe e no atletismo, modalidade em que arrebatou dois ouros e uma prata na Olimpíada de Los Angeles-32. Foi eleita em 1950 a esportista da primeira metade do século. Quatro anos depois, aos 42, morreu de câncer.
Já Annika, 1,68 m, 58 kg, virginiana, natural de Estocolmo, 43 títulos conquistados na LPGA (a PGA feminina), mais de US$ 11,5 milhões em prêmios, nunca esteve perto de ser uma superatleta.
Quando criança, o tênis era sua paixão. Sonhava em se tornar profissional e repetir o sucesso de Bjorn Borg, ídolo dela e de todo um país. Só que um backhand limitado a impediu de ir além. Aos 16 anos, após disparar um "estou farta!" ao pai, deu tchau à raquete e as boas-vindas ao taco.
E em 1988, quando viu pela TV a compatriota Liselotte Neumann vencer o US Open, um dos quatro Grand Slams do LPGA Tour, sonhou que um dia repetiria o feito.
Com apoio da federação local, conseguiu em 1990 uma bolsa para estudar na Universidade do Arizona, pois nenhuma escola da Suécia possuía equipes de golfe.
Annika destacou-se nos EUA e, em 1991, foi eleita a jogadora universitária do ano. Em 1993, disputou o Europeu e foi a novata do ano. Em 1994, partiu para o LPGA Tour e foi a caloura do ano.
O melhor estava por vir em 1995, quando amealhou seu primeiro título nos EUA. Em qual torneio? No US Open. Sonho precocemente realizado, a "fria e sem emoções" Annika não pôde evitar que lágrimas escorressem pelo rosto. Súbito, virou celebridade.
Em 1996, o bi no US Open. Em 1997, o casamento com David Esch, executivo da Callaway, empresa de equipamentos de golfe.
Os títulos tornaram-se hábito nesse e nos anos seguintes, porém mais nenhum de Grand Slam, o que passou a incomodar Annika.
Em sua cabeça, o sucesso a levara a se acomodar, e escolheu dois caminhos para mudar o quadro: concentrar os treinos nas tacadas de definição, seu ponto fraco, e contratar um personal trainer.
Em 2001, após fazer kickboxing, ciclismo, corridas e natação, Annika apareceu para o LPGA Tour mais em forma do que nunca.
Os resultados surgiram logo. No terceiro evento da temporada, além da vitória, registrou um recorde: tornou-se a primeira mulher a completar um round com a marca de apenas 59 tacadas.
Em seguida veio o terceiro troféu de um Grand Slam, no Torneio Nabisco -erguido novamente uma temporada depois.
Mas tudo isso não foi suficiente para fazer de Annika sucesso de crítica e público. Menos pelos feitos -em 2002, igualou marca de 1963 de Mickey Wright ao conseguir 13 títulos na mesma temporada-, mais pela personalidade.
Annika é extremamente simplória: nunca se preocupou muito com publicidade, com um vestuário mais chamativo ou em desenvolver uma linguagem corporal mais atraente. E sempre evitou criar rivalidade com suas adversária de LPGA, com as quais, ressalte-se, mal tem contato, mesmo nos períodos de competição.

"Piscar de olhos"
E assim talvez fosse até o fim de sua carreira, a não ser por uma inesperada resposta em janeiro. "Você por acaso aceitaria convite para jogar num torneio do PGA Tour?", foi a pergunta. "Num piscar de olhos", afirmou Annika.
Ofertas choveram. Patrocinadores e organizadores viram uma rara chance de prestigiar suas competições. Em fevereiro, ela anunciou que jogaria no Colonial.
Isso mexeu com o mundo elitista e conservador do golfe. Muitos consideraram uma afronta a participação de uma mulher em um evento masculino. Outros, uma piada: disseram que não teria a menor chance de ir à fase final. Babe Zaharias, em 1945, falhou.
"Será legal vê-la em ação, mas só será bom para o golfe feminino se ela for bem. Ou será mais prejudicial que benéfico", disse Tiger Woods, o número um entre os homens, que não joga no Colonial. "Essa é a opinião de Tiger", rebateu, lacônica, Annika.
O fato é que há quatro meses Annika virou o centro das atenções por onde treinava ou jogava. As perguntas foram repetitivas, e as respostas, quase sempre as mesmas, nesta linha: "Não estarei lá para provar nada. Só para encarar um novo desafio, o maior de minha carreira, e ver em que dá".
Experts não se mostraram otimistas em relação à atuação de Annika, que tem duas vitórias em seis torneios jogados neste ano.
"Sua presença é sensacional para os fãs. Mas sou cético quanto ao seu desempenho", analisou Ivan Meier, da ESPN. Tom Dahlberg, da Associated Press, foi além. Disse que a sueca sucumbe diante de forte pressão, à qual encara agora. "Pressionada, apavora-se."
A própria Annika admite que tremeu em momentos importantes, como quando tentou por duas vezes, sem sucesso, se tornar a segunda mulher na história do golfe, ao lado da americana Patty Berg, a triunfar três vezes seguidas em um mesmo Grand Slam.
Além da pressão psicológica, Annika vislumbrou outro problema. O golfe alia precisão, concentração e força -e em torneios masculinos, com trajetos mais longos, ela não teria a força necessária para boas tacadas iniciais.
Por isso escolheu, a dedo, o Colonial. "Os vencedores [do torneio] ficaram conhecidos pela estratégia, que é o meu forte."
Ontem, Annika ficou uma tacada acima do número considerado ideal -chegou a estar uma abaixo, o que a deixaria em boa posição. "Estive nervosa. É um alívio que este dia tenha acabado."
Hoje, contra 112 "eles", ela joga a sua chance de passar ao round final e fazer, de novo, história.


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