São Paulo, terça-feira, 23 de junho de 2009

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JOSÉ ROBERTO TORERO

A primeira vez de Enzo


Na Vila Belmiro, o pequeno foi ao banheiro, "previu" gol do rival e se entristeceu, mas foi poupado do pior de tudo

SEMPRE TENHO uma certa curiosidade para ver do lado de quem sentarei no estádio. Pode ser uma velhinha fanática, um gordo que alugue parte da minha cadeira, uma bela senhorita (coisa que raramente acontece), um adolescente espinhento etc... Neste domingo, na Vila Belmiro, sentei ao lado de Enzo.
Enzo tem pele morena e cabelo escuro e liso, o que lhe dá certo ar de curumim, já que ele tem apenas seis anos. Era a primeira vez de Enzo num estádio. E ele não parava de rir.
Virava a cabeça de um lado para outro, feito um passarinho, tentando olhar tudo ao mesmo tempo.
Logo no início do jogo, quando uma torcida batucava e cantava, ele não aguentou: ficou de pé e bateu palmas. O pai explicou: "Aquela turma é do Atlético, filho, é do outro time". Enzo ficou surpreso e sem saber o que fazer. Será que ele não podia bater palmas para a animada torcida adversária? Por via das dúvidas, parou. Mas, de vez em quando, dava uma olhada para a outra turma.
Alguns minutos depois, no meio do primeiro tempo, quando um gol parecia iminente, ele disse que queria fazer xixi. O pai respondeu com um olhar surpreso. Um torcedor experiente sabe que há que se conter a bexiga a qualquer custo até o intervalo. Mas era a primeira vez de Enzo. O pai fez um ar resignado e levou o garoto ao banheiro. Mas voltaram bem rápido.
Lembro que, da primeira vez que fui a um estádio, fiquei impressionado com o gramado, que eu não imaginava tão grande. Então perguntei a Enzo o que ele tinha achado do da Vila Belmiro, e ele respondeu que o gramado devia ter algum problema, porque os jogadores estavam escorregando. Era verdade. Dois santistas tinham acabado de escorregar bisonhamente. Mas creio que o problema não era da grama.
No finzinho do primeiro tempo, Neymar acertou belo chute e abriu o placar. Foi o primeiro gol ao vivo visto por Enzo. Olho para ele, que está de braços levantados. O pai também vibra, e a mãe tira fotos do filho.
No intervalo, pergunto do que Enzo mais gostou. Pensava que diria algo como "da pipoca" ou "do banheiro". Mas ele foi objetivo: "Do gol".
No começo do segundo tempo, o Atlético voltou jogando muito bem.
E o Santos, muito mal. Até Enzo, de seis anos, percebeu isso e disse: "O outro time vai fazer um gol".
Alguns minutos depois, sua profecia foi confirmada, e ele disse com alegria: "Eu não falei?!".
Quando foi marcado o segundo gol, ele repetiu: "Eu disse que eles iam fazer gol".
Mas, quando veio o terceiro, ficou quieto. A tristeza de torcedor já era maior que a alegria do adivinho.
Mesmo com a derrota, Enzo não estava triste. Longe disso. Puxou conversa com outro menino, e os dois ficaram conversando alegremente. Ele só foi se interessar de novo pela partida no segundo gol, que comemorou muito. E mais ainda o terceiro, que foi invalidado por Djalma Beltrami.
Na saída, perguntei o que ele tinha achado do jogo. Enzo disse que gostou porque tinha acabado 3 a 3.
Eu fiquei quieto. Era melhor deixá-lo acreditar no empate épico conquistado no último lance do jogo. Há que se poupar as crianças dos Beltramis da vida.

torero@uol.com.br


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