São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2010

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A grande família

Para torcer pelo México , parentes se reúnem em torno da matriarca, de cerveja e tacos

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

O jogo começa, e são 16 na sala. Três se sentam no chão, perto de troféus que exibem, orgulhosos, de vitórias em torneios de futebol de sete.
Calle San Benjamin, 21, bairro de Santa Ursula Copa. Arredores do estádio Azteca, área de classe média baixa no sul da Cidade do México.
Lá fora é dia de feira. Que, na manhã de sol, tem o movimento de um dia de chuva. Porque dentro de casa, como em todo o país, assiste-se ao confronto com o Uruguai.
Eram apenas quatro quando a Folha chegou, uma hora e meia antes do jogo. Os irmãos Miguel, 52, Jesus, 45, e Luis, 43. E a matriarca, Angela Urbina Martinez, 85.
Miguel tem um loja de tintas no térreo do sobrado. Fechada durante o jogo, como todo o comércio do bairro.
"Ninguém viria comprar nada mesmo", justifica. Jesus é marceneiro, e o torno também está parado. Ex-alcoolatra, ex-ladrão e ex-presidiário, Luis é pastor da Igreja Cristã Pentecostal e normalmente usa a sala para cultos. Não em dia de Copa.
Parentes e amigos vão chegando aos poucos. Transformam o lugar numa arquibancada. A TV passa "Chaves". Luis pede licença às crianças, sintoniza na Azteca Deportes, mexe no cabo para melhorar o sinal. Rostos pintados, camisas da seleção, garrafas de Coca-Cola e salgadinhos sobre a mesa de centro. Tudo parece pronto.
Eis que chega o cunhado.
Com uma corneta. E uma garrafa de dois litros de cerveja Indio, que ele abre com o isqueiro ao se sentar no sofá. Miguel, mais um, é casado com Emilia, filha de Angela.
São dez irmãos, ao todo. E, no instante em que a bola rola, não segura a provocação. "É melhor que o Brasil!"
Foi praticamente sua última manifestação em duas horas. A festa dá lugar ao nervosismo, ao receio de que o México cedesse a vaga nas oitavas para a África do Sul. A TV mostra, o tempo todo, lances em Bloemfontein.
E a sala dos Urbina Martinez fica cada vez mais cheia.
Aos 18min, aparece um casal de amigos, com dois filhos: 20 pessoas na sala. Aos 20min, mais um amigo com a filha: 22. "Puta merda", lança o cunhado, seis minutos depois, num erro do ataque mexicano. O pastor ri.
Os sul-africanos fazem 2 a 0 no primeiro tempo. "Se eles fizerem mais dois, estamos fora", fala Miguel, o cunhado, preocupado. Mais duas meninas chegam para ver o jogo. O quorum, 24.
O gol da França, ao 25min do segundo tempo, deixa o ambiente mais tranquilo, pero no mucho. Luis quebra a tensão ao surgir com tacos. "Pode comer, não é picante", diz ao repórter. Que, da próxima vez, não vai acreditar.
Calado, o cunhado levanta, enche o prato, volta para o sofá, diante da televisão.

E A ARGENTINA?
Fim de jogo. Time classificado, mas a sala não comemora. "Não era assim que queríamos passar", afirma Miguel, o cunhado. "Se não pudemos com o Uruguai, como vai ser com a Argentina? Nossa história na Copa vai acabar aí", prevê Jesus.
Na calle Benjamin, 20 minutos após a partida, a feira já está lotada. A reportagem pega um táxi para o aeroporto Benito Juárez. De Fusca, despede-se do México.


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