São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002

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BASQUETE

Pé grande

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Um atleta que disputar uma partida inteira ficará com a bola nas mãos por uns 4 ou 5 minutos. Mas seus pés estarão na quadra durante os 40 minutos.
Por isso, quem trabalha, estuda e/ou aprecia o basquete deveria se conscientizar de que muitos aspectos desse esporte considerado "aéreo", de um modo ou de outro, dizem respeito ao trabalho de solo. O posicionamento. O deslocamento. A freada. O salto.
No entanto isso é pouco trabalhado nas categorias de base. No mundo todo, costuma-se treinar a molecada -e não ensiná-la.
Ignora-se, por exemplo, que, assim como nas mãos, o ser humano geralmente é destro ou canhoto nos pés. Um dos pés, portanto, perde naturalmente a capacidade atlética com o tempo. O jogador inconscientemente se habitua a iniciar o drible, a fazer o giro, a reagir na defesa com o pé "bom".
Os defeitos de formação contaminam até os profissionais da NBA, os melhores do mundo.
Tanto que desenvolver a "ambidestria" da cintura para baixo tornou-se obsessão na liga norte-americana nas últimas décadas.
Os técnicos preocupam-se principalmente com os pivôs, que operam em espaço mais restrito, o garrafão, onde o jogo de pés faz ainda mais diferença.
Anualmente, as equipes da NBA encaminham os jovens gigantes (e, às vezes, os medalhões também) para uma semana de aulas desse fundamento. Quem administra a clínica é o maior professor da história do esporte.
Deixo para abordar oportunamente em outra coluna a importância tática de Pete Newell para o basquete. Por ora, digo que é um dos únicos treinadores a trazer no currículo os mais relevantes títulos do basquete amador mundial: NIT, NCAA e Olimpíada. (O outro é Bobby Knight, legenda na Universidade de Indiana e, batata, pupilo de Newell).
Os dois primeiros troféus, de torneios universitários dos EUA, Newell conquistou com equipes desconhecidas, sem nenhum astro: São Francisco (1949) e Califórnia-Berkeley (1959). O terceiro, em Roma (1960), com o embrião de um "Dream Team", uma seleção que contava com Oscar Robertson, Jerry West, Jerry Lucas e outros cobras que arrebentariam a NBA nos anos seguintes.
A dieta autodestrutiva de café e cigarro (ele não comia nada durante dias) e os ataques de nervos na véspera dos jogos acabaram abreviando a carreira do técnico logo após o triunfo olímpico.
Mas, em 1977, Newell concordou em voltar às quadras, a pedido de um grupinho de jogadores de segundo escalão da NBA.
Nascia, assim, o Big Man Camp. No primeiro dia, os alunos faziam exercícios em um lado da quadra, usando um pé como apoio. No segundo, mudavam de lado e de pé. Em uma semana, aprendiam "drills" para incorporar à rotina de treinos de seus times.
Um dos quatro estudantes da primeira turma era um ala-pivô pesadão, incapaz de correr e pular. Tinha dificuldades para pontuar. Estava desesperado por um emprego entre os profissionais.
Com a ajuda de Newell, Kiki Vandeweghe transformou-se em um furacão sob a tabela, anotando mais de 20 pontos por jogo durante sete anos na NBA.
Hoje, é o dirigente do Denver, a nova equipe de Nenê. Talvez o brasileiro nem saiba. Mas ele já foi matriculado pelo chefe no próximo "camp", dentro de três semanas, no Havaí. Pés à obra!

Sola 1
Nos 25 anos de clínicas, Pete Newell, 86, jamais cobrou um centavo dos atletas. "Os jogadores não têm quem lhes estimule o lado intelectual do basquete. É preciso que compreendam não só o "como?" mas também o "por quê?". Ajudá-los a conciliar esse conhecimento com o instinto de jogo me faz feliz, me completa. Faço por prazer."

Sola 2
Confira a lista de quem aprendeu com Newell: Hakeem Olajuwon, Shaquille O'Neal, Kareem Abdul-Jabbar, Scottie Pippen, Bernard King, James Worthy... Atualmente, quem ajuda a tocar as aulas é Rick Carlisle, eleito o melhor técnico da NBA em 2001/2002.

Sola 3
Duas dicas sobre a obra de Newell: o vídeo "Big Man Moves", 90 minutos de exercícios de "footwork" com estrelas da NBA, e a biografia "A Good Man", de Bruce Jenkins (US$ 20, na internet).

E-mail melk@uol.com.br



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