UOL


São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

Texto Anterior | Índice

FUTEBOL

Peixes sem nome

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Mais um jovem craque brasileiro pode estar batendo asas para a Europa. Ainda que no final do ano, Diego deve trocar o Santos pelo Tottenham.
Ao saber da notícia, um querido amigo santista, o jornalista Luiz Zanin Oricchio, declarou desconsolado: "Pois é, está chegando um tempo em que os jogadores vão ser contratados por um mês, por uma semana, por uma única partida".
Exagero do Zanin? Nem tanto. A tendência é essa mesmo. No papel, os contratos até que são longos, mas, na prática, acabam rescindidos antes do término, desde que todas as partes saiam lucrando. Todas menos uma: o torcedor.
Para este último, é duro se conformar com a perda dos jogadores que ele estava apenas começando a identificar com as cores de seu time. É duro também ter de conhecer os novos atletas e aprender a cultivar com eles uma relação de afeto ou aversão.
O torcedor fica ressabiado, com medo de se entusiasmar com um jogador que no mês que vem pode já não estar mais no clube. É como ter no aquário aqueles peixinhos que vivem só umas poucas semanas. É melhor nem dar nome para eles, para não criar nenhum tipo de apego.
É difícil prever aonde esse processo vai parar. Mas imagino o seguinte cenário. Um clube milionário, como o Real Madrid, funcionará como um grande circo internacional, um Tianny, um Orlando Orfei, um Circo de Moscou.
Em cada lugar de espetáculo, ele usará alguns dos artistas de seu elenco. Por exemplo: Beckham será protagonista na Ásia, onde é um superastro da mídia; Ronaldo brilhará na África, onde é ídolo popular; Zidane atuará na França e na Argélia; e assim por diante.
No outro extremo da "cadeia alimentar" do negócio do futebol, os clubes brasileiros servirão de garimpeiros de talentos e de vitrine temporária.
Um campeonato (ou até meio) será suficiente para atrair os compradores, não só os poderosos clubes-empresas da Itália, da Espanha e da Inglaterra, mas até times de nomes impronunciáveis do Leste Europeu, da Turquia ou da Coréia. Haverá produtos para todas as faixas de preço.
Aliás, não sei por que conjuguei no tempo futuro os verbos dos parágrafos acima. Tudo isso já está ocorrendo diante de nossos olhos.
Não vou chorar o leite derramado e suspirar pelos "bons tempos" da lei do passe, em que um atleta do país ficava décadas no mesmo clube e eram relativamente raras as transações internacionais.
Mas não dá para ignorar a dimensão dramática e paradoxal que assume, para o torcedor, sua relação pessoal com os jogadores que vestem a camisa de seu time.
Como disse o mesmo Zanin: "A gente nem se anima a torcer para o sujeito jogar bem, com medo de que ele chame a atenção de algum clube europeu e vá embora".
Triste dilema. A longo prazo, ele tende a fazer o torcedor perder a relação apaixonada com o futebol e a encará-lo como uma mera prova atlética ou um show de malabarismo.

Destino gaúcho
Paradoxal mesmo, para não dizer tragicômica, foi a situação dos gremistas nesta semana. Depois de ver seu time goleado na quarta-feira, muitos deles pegaram-se torcendo (com dor no coração) pelo arqui-rival, o Internacional, contra o Fluminense. E o pior é que o Flu ganhou, fazendo o Grêmio comer mais poeira. Prova cabal de que um tricolor não pode mesmo se fiar num colorado.

Seleção brasileira
Na convocação de ontem dos "estrangeiros" da seleção não houve propriamente surpresa, mas reafirmo algumas divergências quanto às opções de Parreira. Penso que deveria haver espaço para uma renovação real na zaga, na lateral direita e no meio-campo (onde Renato e Alex não podem ficar de fora).

E-mail jgcouto@uol.com.br


Texto Anterior: Motor - José Henrique Mariante: Rodeio
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.