São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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PARAOLIMPÍADA

Comitê do país cria programa especial de reabilitação e vai atrás de talentos entre militares deficientes

Esporte cura feridas de guerra nos EUA

Tom Kimmel/Photography
Kortney Clemons experimenta uma bicicleta


MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando seu mundo se resumia aos livros e às brincadeiras do colégio, Kourtney Clemons, um maníaco por esportes, sonhava em ser campeão olímpico.
Seu sonho ainda pode ser realizado. Mas de forma diferente.
Há pouco menos de um ano, o jovem de 25 anos teve a perna direita dilacerada por uma bomba enquanto tentava salvar um colega ferido. Clemons era um soldado norte-americano no Iraque.
Hoje, ele é um dos primeiros 34 ex-combatentes, que têm de 19 a 41 anos, inscritos no Programa Militar do Comitê Paraolímpico dos EUA, iniciado em setembro. São pessoas que foram a guerras como a do Iraque, do Afeganistão e do Golfo.
A iniciativa visa buscar novos talentos em um público antes restrito às academias de reabilitação do Exército. E abrandar uma questão que voltou a incomodar os EUA com as recentes guerras: Como tratar os deficientes que voltam do campo de batalha?
"Temos de mostrar que a vida não acabou. Cuidar das reabilitações física, social, de saúde, pessoal, emocional, de auto-estima. Estamos selecionando gente de todos os EUA. A demanda é grande", relata à Folha John Register, coordenador do programa.
Ele conhece bem essa realidade.
Register era um atleta e chegou às seletivas americanas para duas Olimpíadas (1988 e 1992).
No meio disso, lutou na Guerra do Golfo, e saiu ileso.
Mas, em 1994, lesionou uma artéria e acabou tendo de amputar a perna. "Eu me acidentei. Mas muitos foram atingidos no Iraque, no Afeganistão. É muito mais traumático."
Register, porém, não desistiu. Foi à Paraolimpíada de 1996 como nadador, e levou a prata em 2000 no atletismo.
"O esporte dá a essas pessoas a chance de recontar suas histórias. Elas voltam a ter status, falam das medalhas que ganharam ou não, voltam a ser agentes na sociedade", explica Eliane Lemos, psicóloga do esporte adaptado.
O programa norte-americano realizou seu primeiro evento no fim de setembro. No Centro Olímpico de Colorado Springs, os homens e mulheres inscritos entraram em contato -muitos pela primeira vez- com esportes como vôlei, ciclismo, esgrima, hóquei, atletismo, entre outros.
No próximo, no início de novembro, a expectativa é reunir cerca de 100 militares.
Clemons, que antes da guerra praticava basquete, beisebol e futebol americano, por exemplo, há cerca de um mês redescobriu o prazer de correr, com prótese.
"Eu sentia o vento na minha orelha... Era tão bom...", relata.
A criação do programa também só foi possível graças ao aumento do investimento no Comitê Paraolímpico. Dos US$ 116,7 milhões destinados ao USOC no orçamento deste ano, um recorde de US$ 4,8 milhões foi para a entidade paraolímpica -aumento de US$ 2 milhões de 2001 para cá.
Parte da verba destinada ao programa para militares irá para o acompanhamento psicológico. Alguns se tornaram portadores de deficiência em acidentes em treinamentos ou até domésticos, outros carregam também o trauma pós-guerra.
O primeiro estudo feito pelo Exército dos EUA em 2004, mostrou que um em cada oito soldados que foram ao Iraque apresentam problemas psicológicos como sintomas de estresse pós-traumático. Menos da metade desses militares procurou ajuda.
"É difícil ficar mexendo na ferida. O esporte é uma maneira de tirar o foco disso, mudar o peso emocional dessa experiência. O trauma vai acompanhá-los pelo resto da vida", declara Eliane.
"Os profissionais que trabalham com eles têm de agora construir algo com o que sobrou nos escombros. É um desafio enorme. O esporte, como é lúdico, parece brincadeira, e pode ser uma ferramenta poderosa", afirma.
Essa análise transparece na empolgação de Clemons após a experiência em Colorado Springs.
"É engraçado. Quando eu estava no colégio, sonhava em ser um atleta profissional. Aí eu entrei no exército e aconteceram outras coisas. Hoje, percebo que o sonho não está acabado."


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