São Paulo, sábado, 24 de abril de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

Figurinhas carimbadas


No futebol midiático de hoje, quanto mais uma torcida ama um jogador, mais vigia seus passos


NÃO, O TEMA hoje não é a carestia de figurinhas do álbum da Copa do Mundo, que está causando alvoroço entre colecionadores de todas as idades. Quero falar um pouco sobre a marcação cerrada que os jogadores mais famosos sofrem fora de campo, por parte dos torcedores e da mídia.
O assunto não é novo. Fiquei sabendo outro dia, da boca do próprio craque, que Djalma Santos foi uma das primeiras vítimas dos "paparazzi" do futebol brasileiro.
Eis a história. No início dos anos 50, a seleção paulista foi ao Rio para enfrentar os cariocas. Numa noite, alguns jogadores vão a um restaurante. Um amigo chega com uma moça, que se senta ao lado de Djalma. Espoca um flash. Dias depois, a capa da "Revista dos Sports" estampa uma foto do craque ao lado da moça, apresentada como "a namorada carioca de Djalma Santos". De volta a São Paulo, explicar a história para a noiva, Mercedes, foi "mais difícil que marcar o Canhoteiro", segundo o jogador, que já enfrentava a resistência da família dela, pois a profissão de futebolista não era vista com bons olhos.
Hoje, seis décadas depois, a patrulha aumentou exponencialmente.
Criou-se uma situação paradoxal.
Com dinheiro e poder para fazer, virtualmente, o que quiserem, os atletas conhecidos são vigiados pelos mil olhos da mídia e também dos fotógrafos e cinegrafistas amadores, já que hoje um mero celular é capaz de registrar imagens e colocá-las imediatamente na internet.
Ronaldo está fumando dois maços de cigarro por dia? Adriano brigou de novo com a namorada? De tudo ficamos sabendo. Nada se esconde.
Enquanto os craques cumprem seu papel em campo, encantando a plateia, os supostos deslizes e desvios são perdoados, vistos até, às vezes, como um charme a mais, um traço pitoresco de personalidade.
Quando o rendimento futebolístico cai, cresce a pressão geral por um comportamento regrado, uma vida de moderação. Fica a eterna dúvida: o rendimento cai por causa dos deslizes fora de campo ou os deslizes fora de campo aparecem mais (e ganham gravidade) quando o rendimento cai? O ovo ou a galinha?
Há sempre pelo menos dois modos de encarar cada fato. Os cigarros de Ronaldo, por exemplo. Gérson fumava quando jogador, Sócrates idem, e não deixaram de ser craques.
Mano Menezes, em defesa de Ronaldo, diz que o atacante sempre fumou e isso nunca foi problema. Mesmo sendo contra as patrulhas de qualquer tipo, vejo que se trata de meias verdades. Pois nem Gérson nem Sócrates ganhavam fortunas aos 32 anos, nem eram superastros da mídia e do marketing. É, de certo modo, natural que a pressão sobre Ronaldo, hoje, seja muito maior, proporcional ao investimento que se faz nele e, principalmente, proporcional às esperanças depositadas em seu futebol.
Aí é que está, a meu ver, o nó da questão. A cobrança do torcedor é equivalente ao amor, à paixão que devotou ao ídolo. No ano passado, corintianos amaram intensamente Ronaldo, assim como flamenguistas amaram Adriano. Hoje se sentem traídos. Inconformados, buscam as provas e as causas da traição. No fundo, como sempre, é tudo uma questão de amor e desamor.

jgcouto@uol.com.br


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