São Paulo, sábado, 24 de abril de 2010

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Coreia do Norte quer mistério a seu favor na África

Locais de treinamentos não são divulgados, e jogadores da equipe asiática têm sido proibidos de conceder entrevistas

Ídolos de 1966, ano da única atuação do país em Copas, acreditam que a seleção que enfrentará o Brasil em 15 de junho pode chegar à 2ª fase

SÉRGIO RANGEL
ENVIADO ESPECIAL A PYONGYANG

Orgulho patriótico, amadorismo, isolamento, gritaria e muito mistério. Com essa estratégia, os norte-coreanos querem surpreender na Copa do Mundo. O país mais recluso do planeta será o primeiro adversário da seleção brasileira na África do Sul. As duas equipes se enfrentam no dia 15 de junho, em Johannesburgo, pelo Grupo G, que tem ainda tem Portugal e Costa do Marfim.
Único time com atletas amadores no Mundial, a Coreia do Norte treina desde o início do ano em local não divulgado e se recusa a mostrar detalhes da preparação. Nem mesmo seus jogadores são liberados para conceder entrevistas.
Anteontem, empataram na Alemanha com a seleção sul-africana, do brasileiro Carlos Alberto Parreira. "Eles têm uma defesa muito sólida. Jogam com cinco jogadores atrás. Para furar esse bloqueio, é preciso muita paciência", analisou o treinador após o 0 a 0.
"O enigma é importante. Na única Copa que disputamos, surpreendemos por sermos desconhecidos. Estamos nos preparando para fazer o mesmo agora", disse Pak Doo-ik, 74, autor do gol da surpreendente vitória norte-coreana diante da Itália, por 1 a 0, na Copa de 1966, a maior façanha no futebol da seleção asiática.
Antes da África do Sul, o Mundial da Inglaterra foi o único disputado pelo país.
Doo-ik é uma espécie de assessor da seleção nacional e deverá viajar para acompanhá-la na Copa "se a saúde ajudar".
Ele, o zagueiro Lim Zoong-sun, 70, e o goleiro Lee Chang-myung, 64, foram os únicos liberados pelo governo para dar entrevista sobre o futebol local.
Na conversa de quase uma hora, eles pouco falaram sobre a seleção atual do país. Os três preferiram relembrar do Mundial que disputaram e misturar futebol com política.
"O nosso povo já superou uma série de dificuldades. O nosso presidente eterno [Kim Il-sung] e o nosso querido líder [Kim Jong-il ] já nos mostraram isso. Temos uma firme convicção de que vamos pelo menos passar para a fase seguinte do Mundial", afirmou Doo-ik, sentado embaixo dos retratos dos dois principais dirigentes da Coreia do Norte.
Pai e filho são venerados pelos norte-coreanos. Comandante do país por 49 anos, Il-sung é o autor da "Ideia Juche", misto de filosofia e ideologia que norteia a nação. O Juche proclama a autossuficiência. Il-sung morreu em 1994, mas o povo o cultua como se fosse vivo. Centenas de estátuas do "presidente eterno" estão espalhadas pelo país.

Acesso negado
Apesar dos pedidos para acompanhar os treinos dos adversários do Brasil, as autoridades do governo se recusaram a liberar o acesso. Os guias diziam apenas que o mistério era a chave para o sucesso.
Embora fizessem questão de dizer que o país gosta de futebol, o esporte não é tão popular na Coreia do Norte. Garotos chutando bola pelas ruas são uma cena rara. A modalidade mais comum por lá é o vôlei.
A Folha foi autorizada a assistir a só uma parte do jogo entre um time do Ministério dos Transportes Marítimos e outro de uma universidade da capital (Pyongyang). As duas equipes eram da terceira divisão local.
Na TV, o futebol também não tem espaço. Os três canais passam o dia fazendo propaganda do regime comunista.
Jogos de clubes europeus são exibidos como no Brasil dos anos 60: apenas os videoteipes das partidas -e com cerca de três semanas de atraso.
Os guias dizem que os jogos da seleção norte-coreana passam na TV ao vivo. No entanto, para a Copa da África do Sul, a Fifa ainda não vendeu os direitos de transmissão para o país, que talvez só assista aos teipes.
"Pode parecer antipático, mas trabalhamos assim. Depois do Mundial, vocês ouvirão falar muito mais do nosso futebol", declara Doo-ik, que é celebrado nas ruas como um herói.


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