São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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Com estádio ocupado pela Copa, rúgbi visita favela negra pela 1ª vez

Com incentivos da Fifa e do governo sul-africano, Soweto recebe torcedores brancos

FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO

Brancos em Soweto, bairro negro por excelência, entoando "shosholoza" (vamos em frente), antiga canção dos zulus nas minas de ouro.
Negros nas arquibancadas empurrando o time mais popular de rúgbi do país, esporte que, para os brancos sul- -africanos, não está longe de ser uma religião.
Se Clint Eastwood quiser inspiração para a sequência de "Invictus", poderá buscá- -la no que ocorreu anteontem no Orlando Stadium.
Foi um momento de utopia racial num país em que as tensões são latentes, 16 anos após o fim do apartheid.
Sem poder usar o Loftus Versfeld (cedido para a Copa do Mundo), o Blue Bulls, de Pretória, decidiu mandar seu jogo contra o Crusaders, da Nova Zelândia, em Soweto.
Pela primeira vez na história, o rúgbi branco visitou uma favela negra.
O torneio é o Super 14, que reúne equipes sul-africanas, australianas e neozelandesas. O Bulls venceu: 39 a 24.
Vestidos de azul, cor do time, cerca de 30 mil brancos desembarcaram num lugar em que muitos nunca haviam colocado os pés.
Era como se estivessem aterrissando num outro planeta. "Estou extremamente impressionado com a limpeza daqui", declarou Ricky van Broakhuizen, 62.
A polícia não preparou nenhum esquema além do que há nos jogos de futebol entre Pirates e Kaizer Chiefs, que fazem o "dérbi de Soweto".
Grupos de torcedores brancos alugaram peruas lotação, outra novidade para quem jamais utiliza um meio de transporte de trabalhadores de baixa renda.
Vuvuzelas, raridades em jogos de rúgbi, podiam ser vistas -e, claro, ouvidas. "Trouxe porque estamos celebrando, estamos em Soweto. Isso aqui virou um símbolo da África do Sul", disse o advogado Willenpie, 24.
O evento teve apoio da Fifa e do governo sul-africano, interessados em projetar a imagem de um país reconciliado.
Há um mês, a morte de um fazendeiro branco por um trabalhador negro trouxe de volta um antigo fantasma, o risco de confronto racial.
Nas arquibancadas, negros se destacavam numa plateia 90% branca. "Quando me veem com uma bandeira dos Bulls, acham que eu sou maluco", falou Thulani Nkosi, 28, nascido em Soweto e morador de Pretória.
Muitos admitiram que só mesmo a paixão pelos Bulls os fez vencer o medo de entrar num local que conheciam só pela fama de violência. Herman Sutherland, 53, encarou a situação com uma piada de mau gosto. "É a segunda invasão azul em Soweto", disse. "A primeira, claro, foi a dos carros de polícia durante o apartheid."


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