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Com estádio ocupado pela Copa, rúgbi visita favela negra pela 1ª vez
Com incentivos da Fifa e do governo sul-africano, Soweto recebe torcedores brancos
FÁBIO ZANINI
DE JOHANNESBURGO
Brancos em Soweto, bairro
negro por excelência, entoando "shosholoza" (vamos
em frente), antiga canção dos
zulus nas minas de ouro.
Negros nas arquibancadas
empurrando o time mais popular de rúgbi do país, esporte que, para os brancos sul-
-africanos, não está longe de
ser uma religião.
Se Clint Eastwood quiser
inspiração para a sequência
de "Invictus", poderá buscá-
-la no que ocorreu anteontem
no Orlando Stadium.
Foi um momento de utopia racial num país em que as
tensões são latentes, 16 anos
após o fim do apartheid.
Sem poder usar o Loftus
Versfeld (cedido para a Copa
do Mundo), o Blue Bulls, de
Pretória, decidiu mandar seu
jogo contra o Crusaders, da
Nova Zelândia, em Soweto.
Pela primeira vez na história, o rúgbi branco visitou
uma favela negra.
O torneio é o Super 14, que
reúne equipes sul-africanas,
australianas e neozelandesas. O Bulls venceu: 39 a 24.
Vestidos de azul, cor do time, cerca de 30 mil brancos
desembarcaram num lugar
em que muitos nunca haviam colocado os pés.
Era como se estivessem
aterrissando num outro planeta. "Estou extremamente
impressionado com a limpeza daqui", declarou Ricky
van Broakhuizen, 62.
A polícia não preparou nenhum esquema além do que
há nos jogos de futebol entre
Pirates e Kaizer Chiefs, que
fazem o "dérbi de Soweto".
Grupos de torcedores
brancos alugaram peruas lotação, outra novidade para
quem jamais utiliza um meio
de transporte de trabalhadores de baixa renda.
Vuvuzelas, raridades em
jogos de rúgbi, podiam ser
vistas -e, claro, ouvidas.
"Trouxe porque estamos celebrando, estamos em Soweto. Isso aqui virou um símbolo da África do Sul", disse o
advogado Willenpie, 24.
O evento teve apoio da Fifa
e do governo sul-africano, interessados em projetar a imagem de um país reconciliado.
Há um mês, a morte de um
fazendeiro branco por um
trabalhador negro trouxe de
volta um antigo fantasma, o
risco de confronto racial.
Nas arquibancadas, negros se destacavam numa
plateia 90% branca. "Quando me veem com uma bandeira dos Bulls, acham que
eu sou maluco", falou Thulani Nkosi, 28, nascido em Soweto e morador de Pretória.
Muitos admitiram que só
mesmo a paixão pelos Bulls
os fez vencer o medo de entrar num local que conheciam só pela fama de violência. Herman Sutherland, 53,
encarou a situação com uma
piada de mau gosto. "É a segunda invasão azul em Soweto", disse. "A primeira,
claro, foi a dos carros de polícia durante o apartheid."
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